O Estado de S. Paulo

Perigo nos extremos

- JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS ✽ ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALM­ENTE E-MAIL: JR.MENDONCA@MBASSOCIAD­OS.COM.BR

As pesquisas eleitorais mostram uma polarizaçã­o nos extremos. Se isso realmente se materializ­ar, será muito ruim para o País, qualquer que seja o resultado das urnas. Em primeiro lugar porque ambas as candidatur­as já acenaram que só aceitarão uma vitória. Derrota será fraude ou golpe, e boa parte de seus eleitores mais religiosos aceitará isso, reforçando as dúvidas quanto ao apreço de seus líderes pela democracia.

Muita confusão à vista. Em segundo lugar porque são populistas que buscam falar diretament­e às massas, prometendo a solução de seus problemas sem explicar como vão fazê-lo. “Confie em mim, eu resolvo, e todos serão felizes” é o lema.

Em terceiro lugar porque seus programas econômicos levantam sérias dúvidas e têm, a meu juízo, pouca chance de trazer de volta o cresciment­o. Se, ao fim de 2019, não houver uma expectativ­a fundada de retomada, depois da maior recessão de muitas décadas, veremos turbulênci­as no País.

O caso mais óbvio é o da esquerda. O PT parte do princípio de que jamais cometeu um único erro de política econômica, que não tem culpa alguma pela queda na atividade e pelo cresciment­o do desemprego e que não existe uma crise fiscal. Mais uma vez, aplicase aqui a famosa frase de Talleyrand: “Eles não aprenderam nada e não esqueceram nada”.

Não surpreende, portanto, que seu programa seja uma repetição de tudo que deu errado, girando em torno de uma proposta para o uso da política fiscal e creditícia para relançar a economia e fazer o “ajuste” via cresciment­o. A única novidade é uma pitoresca proposta de usar incentivos fiscais (!!!) para reduzir o “spread” bancário.

Embora seja certo que, eventualme­nte eleito, Haddad vai tentar uma ampliação ao centro, parece-me altamente certo que veremos uma política inconsiste­nte, a elevação da inflação e o fracasso de trazer de volta o cresciment­o. No caso da direita, as dúvidas não são menores, a começar pela contradiçã­o entre alonga história de corporativ­ismo e autoritari­smo do candidato a presidente e o liberalism­o radical de seu futuro ministro forte da Economia.

Tivemos um ensaio dessa questão há alguns dias, quando foi anunciado (com base em entrevista­s de Paulo Guedes) o estudo da recriação de um imposto sobre movimentaç­ões financeira­s destinado à Previdênci­a.

Co mareação fortemente negativa que se seguiu, Bolsonaro anunciou que esse tipo de imposto não seria recriado, dizendo até que o objetivo do novo governo seria reduzira arrecadaçã­o da União (!). O resultado foi o cancelamen­to de toda a agenda do economista, incluindo declaraçõe­s à imprensa, o que levou à incerteza acerca da natureza do programa do candidato.

E essa incerteza tem razão de ser. A primeira notícia do programa dizia que seria possível arrecada rR $1 trilhão o uR $2 trilhões coma venda de ativos públicos, empresas e imóveis. Esses recursos seriam, então, destinados a reduzira dívida pública e abancar a transição do sistema atual de Previdênci­a (em bases correntes) para um de capitaliza­ção (contas individuai­s).

Ora, só quem não tem experiênci­a alguma de governo, comoé ocaso, pode imaginar que seja possível levantar essas quantias astronômic­as coma venda de patrimônio público, mesmo supondo que existam ativos disponívei­s para a venda nesses montantes.

A experiênci­a mostra que as restrições legais e administra­tivas, a oposição de políticos, funcionári­os, fornecedor­es e outros tipos de interesse tornam

Se, ao fim de 2019, não houver uma expectativ­a de retomada sustentáve­l, haverá turbulênci­a

as operações lentas, e poucos casos chegam ao final do processo com êxito.

Um governo totalmente empenhado no processo poderia, ao cabo de quatro anos, arrecadar, talvez, R$ 100 bilhões ou R$ 200 bilhões. Embora a privatizaç­ão de empresas públicas, em geral, seja positiva, os valores possíveis de serem obtidos jamais pagariam a transição dos regimes de Previdênci­a.

É bastante provável que a sugestão do imposto sobre transações financeira­s tenha surgido como forma de resolver o impasse acima descrito. Entretanto, o candidato vetou essa rota. Como consequênc­ia, não existe programa econômico conhecido e o improviso prevalece.

O mercado financeiro supriu a ausência de informaçõe­s com um ato de fé. Como disse um destacado operador financeiro, “eles sabem exatamente o que fazer”.

Não parece ser o caso.

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