O Estado de S. Paulo

Grão especial puxa ‘renascimen­to’ do café em São Paulo

Com novas técnicas de produção, cafés de fazendas paulistas agradam a paladares refinados e chegam a valer o dobro do preço do grão comum

- José Maria Tomazela

O cenário das lavouras de café do interior paulista está passando por uma transforma­ção graças à migração de parte das fazendas do Estado para os cafés especiais, que se destacam em testes internacio­nais de sabor e aroma. Em todo o País, a produção de cafés para paladares mais refinados teve expansão média de 15% nos últimos anos, para um total de 8,5 milhões de sacas em 2017, segundo a Associação Brasileira de Cafés Especiais (que se identifica pela sigla em inglês, BSCA). Esse movimento, segundo fontes do setor cafeeiro, está sendo puxado por São Paulo, onde a estimativa é de um cresciment­o anual desse segmento da ordem de 20%.

Um dos fatores que levam os cafeiculto­res paulistas a investir em grãos especiais é o preço. Enquanto a saca do café “commodity” hoje vive um momento de baixa e sai por cerca de R$ 400, os grãos especiais chegam a valer o dobro. “Temos contratos fechados há três anos com clientes dos Estados Unidos”, diz o produtor Mariano Martins, da Fazenda Santa Margarida, em São Manoel (SP). “Em função da alta do dólar, eles nos garantem hoje R$ 800 por saca.” O cafeiculto­r diz que a diferença de 100% não é regra. O “ágio” fica, em média, ao redor de 30%.

Trocar de variedade por causa da variação de curto prazo da cotação, segundo Martins, é um risco. Ele alerta que a mudança exige investimen­tos na lavoura e que, para ser considerad­o especial, o café precisa receber 80 pontos ou mais em análises sensoriais independen­tes. Alguns dados, porém, evidenciam que a busca pela qualidade é tendência: a receita com exportaçõe­s do produto de primeira linha atingiu US$ 2 bilhões em 2017, uma alta de 600% em cinco anos, segundo a BSCA. O que fica no Brasil também tem boa demanda: o consumo interno de cafés especiais movimenta R$ 1,7 bilhão.

Formado em administra­ção, Martins trabalhava em um banco, em São Paulo, quando decidiu largar tudo e assumir a fazenda centenária que seu pai pensava em vender. Desde 1975, quando uma forte geada dizimou os cafezais paulistas, parte da fazenda era arrendada para cana-de-açúcar. “Quando assumi, em 2008, comecei a formar cafezal na área da cana. No primeiro ano de produção, não consegui encaixar nenhuma saca de café como especial.”

Em dez anos, a situação mudou drasticame­nte. Hoje, a propriedad­e tem 1 milhão de pés de café e metade dos grãos produzidos são classifica­dos como especiais. Dois terços da produção vão para a Califórnia, para atender clientes conquistad­os após um lote da fazenda receber 93 pontos de um crítico americano. O restante vai para a torrefação própria, que abastece uma rede de varejo paulistana.

O cafeiculto­r Luiz Eduardo de Bovi, da Fazenda 7 Senhoras, em Socorro, na região de Bragança Paulista, optou por transforma­r a fazenda cafeeira que pertenceu ao avô em um moderno sistema de produção de cafés especiais. De 2011 para cá, ele saiu de 13 mil pés para 250 mil cafeeiros.

Apesar de exportar e de fornecer para torrefaçõe­s e cafeterias, Bovi está explorando a comerciali­zação própria do produto como forma de se proteger das variações de preço. “Processo e vendo pequenas parcelas de um café selecionad­o – em grão, moído e em cápsulas. Como o mercado de café oscila muito, essa verticaliz­ação agrega valor”, ressalta.

Segundo o pesquisado­r Celso Luiz Rodrigues Vegro, do Instituto de Economia Agrícola (IEA), da Secretaria de Agricultur­a e Abastecime­nto, a busca pelo café de qualidade ajudou a transforma­r a agricultur­a paulista na mais produtiva do País. Segundo ele, cafeiculto­res da região de Franca, norte do Estado, fecharam a safra de 2018 com produtivid­ade média de 40 sacas por hectare, quase 30% acima da média nacional.

O uso das técnicas para produção com qualidade, segundo o especialis­ta, fez a produção crescer sem ampliação de área plantada. “Estamos com os mesmos 200 mil hectares cultivados há quase duas décadas, mas a produção cresceu e agregou valor”, disse Vegro.

Dúvida. Apesar da euforia de parte dos fazendeiro­s, o café especial não é opção para todo mundo. O engenheiro agrônomo Luiz Antonio Basile Sobrinho considera a migração, mas resiste em razão do custo. “Nesta região, para obter o gourmet, é obrigatóri­o colher o café maduro e descascar para evitar a fermentaçã­o. Além de equipament­os, você precisa de mais mão de obra, que é cara.” Fazendo as contas do investimen­to e da vantagem de preço, ele disse ainda não estar convencido de que a mudança vale a pena.

No entanto, Basile Sobrinho investiu em tecnologia nos 80 hectares de café arábica que cultiva em Piraju e Sarutaiá, no sudoeste paulista. Uma das mudanças que ele levou a cabo foi a adoção da poda drástica em parte do cafezal – uma das técnicas usadas por quem já vive no mundo dos cafés “gourmet”. A opção se reverteu em melhora da produtivid­ade, que chegou a 38 sacas por hectare.

Apesar de ainda vender café comum, ele diz que o ganho em quantidade está “salvando a lavoura” em tempo de preço baixo. “Há dez anos, eu vendia o café cereja (na casca) a R$ 500. Nesta safra, minha produção saiu à média de R$ 400 a saca.” Embora ainda não tenha embarcado na tendência dos grãos especiais, Basile Sobrinho considera que a transforma­ção está sendo positiva para a cafeicultu­ra paulista. “Tem muito cafeiculto­r tradiciona­l investindo em qualidade para não ficar para trás.”

“Temos contratos há três anos com clientes dos EUA. (...) Eles nos garantem hoje R$ 800 por saca.” Mariano Martins PRODUTOS DE CAFÉ ESPECIAL

Há dez anos, vendia (...) a R$ 500. Nesta safra, saiu à média de R$ 400 a saca.” Luiz Antonio Basile Sobrinho PRODUTOR DE CAFÉ COMUM

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO–27/9/2018 Mais grãos. Em algumas regiões, produtivid­ade paulista supera a média nacional em 30%

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