Irresponsabilidade
Causou espécie o momento escolhido por promotor para oferecer denúncia contra Alckmin.
No início do mês, o promotor Ricardo Manuel Castro, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social do Ministério Público de São Paulo (MPSP), denunciou Geraldo Alckmin, candidato do PSDB à Presidência da República, por improbidade administrativa. Para o parquet, o tucano teria recebido R$ 7,8 milhões da Odebrecht, por meio de caixa 2, para financiar sua campanha à reeleição ao governo de São Paulo em 2014. Alckmin nega, afirmando que o objetivo do MPSP é “só atrapalhar mesmo (a sua campanha)”.
De fato, causou espécie o momento escolhido pelo promotor para oferecer a denúncia à Justiça, faltando pouco mais de um mês para o primeiro turno da eleição. A acusação que pesa contra Geraldo Alckmin tem como base os acordos de colaboração premiada firmados no âmbito da Operação Lava Jato por executivos da empreiteira Odebrecht. Como é sobejamente sabido, tais acordos foram homologados pela ministra Cármen Lúcia, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em 30 de janeiro de 2017.
Houve, portanto, tempo mais do que suficiente para que os depoimentos daqueles colaboradores ensejassem a produção de eventuais provas para instruir a denúncia contra o tucano em um prazo que não coincidisse com o período eleitoral. Resta saber a que se presta uma grave acusação feita a um candidato na reta final da campanha eleitoral.
Abstraindo-se o fato de a ação ter sido ajuizada apenas agora, causou perplexidade a divulgação, pelo promotor, do conteúdo dos depoimentos de executivos da Odebrecht que estavam sob sigilo. Em decisão acertada, o juiz Alberto Alonso Muñoz, da 13.ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, admoestou o promotor Ricardo Manuel Castro e decretou segredo de Justiça nos autos da ação por improbidade a que Geraldo Alckmin responde. O sigilo foi decretado a pedido do juiz Francisco Shintate, da 1.ª Zona Eleitoral de São Paulo.
De acordo com a Lei n.º 12.850/2013, a chamada Lei das Delações, os depoimentos de colaboradores só deixam de ser sigilosos caso a denúncia contra os delatados seja recebida pela Justiça. É tal a proteção do conteúdo dos depoimentos que o referido diploma legal dispõe que o pedido de homologação do acordo deve ser distribuído apenas com informações básicas, que nem sequer permitam a identificação do colaborador e do objeto do acordo. Em outras palavras: até ao juiz a quem cabe homologar a chamada delação premiada é vedado o conhecimento do conteúdo dos depoimentos que o promotor paulista vazou. Basta-lhe saber se as formalidades para a assinatura do acordo foram cumpridas.
A disposição expressa da lei não pareceu relevante o bastante para o promotor Ricardo Manuel Castro, que desde o início tratou o feito com certo rebuliço. Como foi amplamente noticiado, o promotor chegou a convocar “o maior número possível” de seus pares, por meio do WhatsApp, para a “cerimônia” de anúncio da ação contra o candidato do PSDB. O objetivo, segundo ele, seria dar uma “demonstração de união” do Ministério Público Estadual. A cerimônia só não ocorreu porque o próprio anfitrião decidiu recuar diante da repercussão negativa de sua destrambelhada convocação.
As bravatas com vieses claramente autoritários e populistas que têm sido vocalizadas por alguns candidatos à Presidência da República e seus porta-vozes representam sérias ameaças à democracia. Porém, ainda mais perniciosa é a irresponsabilidade de alguns membros de uma instituição da importância do Ministério Público. A atuação descuidada de alguns promotores extrapola o terreno dos riscos ao Estado de Direito e se afigura como um dano concreto.
Eventualmente, o promotor Ricardo Manuel Castro pode ser punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Alckmin, por sua vez, pode ser inocentado ao fim do processo. O dano eleitoral ao tucano, contudo, jamais poderá ser reparado caso se configure nas urnas. Isto é uma investida de extrema gravidade contra a democracia brasileira.