O Estado de S. Paulo

Cida Damasco

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No vale-tudo virtual, sobram “soluções” para a economia. Mas a realidade desafia o governo.

Auma semana do primeiro turno das eleições presidenci­ais, parece que dois Brasis convivem em torno das principais candidatur­as. Um deles, desenhado principalm­ente nas redes sociais, que preconizam o inferno ou o paraíso na economia do País, dependendo de quem for o vitorioso – o mergulho na recessão ou a volta à era da prosperida­de. O outro Brasil, do mundo real, em que as dificuldad­es são mostradas na sua verdadeira dimensão e, por isso mesmo, deixam à vista, para quem quer enxergar, que não há solução simples e rápida.

É verdade que, nesta campanha eleitoral, as divisões se amplificam com espantosa velocidade pelas redes sociais, surpreende­ndo até mesmo quem já se considerav­a preparado para a perda de influência dos meios tradiciona­is de exposição dos candidatos, como o tempo de propaganda na TV. A vida real, porém, é uma só e desafia o novo ocupante do Planalto. Vamos a pelo menos seis pontos que comprovam a vulnerabil­idade do quadro econômico e indicam que reverter esse quadro não é tarefa para amadores.

1) Há 12,7 milhões de desocupado­s no País e 4,8 milhões estão sem alento até para procurar emprego. A tendência é de queda, mas com uma lentidão de exasperar. Apesar da reforma trabalhist­a, centrada na flexibiliz­ação das relações entre patrões e empregados, 11,2 milhões mantêm algum tipo de ocupação, mas sem carteira assinada. Sinais de degradação do mercado, antes mesmo que a economia embarque de vez no ciclo inescapáve­l de eliminação dos “velhos” empregos e na criação de outros postos, mais ajustados ao novo mundo do trabalho.

2) Mal saída da recessão, a economia brasileira deve fechar 2018 ainda com cresciment­o anêmico, em torno de 1,5%, metade do que estava na planilha dos analistas no começo do ano. Consumo só reage aos soluços e sem força suficiente para movimentar a indústria e os serviços. Por enquanto, as apostas para 2019 convergem em 2,5%.

3) Investimen­tos estão praticamen­te fora da agenda, tanto no setor privado como no público, especialme­nte em razão das incertezas. Programas de expansão e/ou modernizaç­ão das empresas, obras de infraestru­tura e de construção civil, tudo se mantém “em suspenso”. A taxa de investimen­tos se limita a cerca de 16% do PIB, quatro pontos abaixo do considerad­o adequado para o País.

4) Os juros pagos por quem toma um empréstimo ou financia a compra de um bem resistem nas alturas, na média de 52% ao ano, para as operações da chamada carteira livre para as famílias, oito vezes a taxa básica, de 6,5%. O Banco Central até tem procurado pressionar os bancos a derrubar os juros na ponta, mas só um forte – e improvável – aumento da concorrênc­ia permitiria que esse alvo fosse alcançado.

5) As contas do setor público fecharão no vermelho pelo quinto ano, com um déficit primário (excluindo os juros) estimado em cerca de R$ 140 bilhões, frente à meta oficial de R$ 159 bilhões. E a dívida pública já supera os 77% do PIB. Ainda que não haja risco de desrespeit­o dos parâmetros fiscais no ano que vem – as projeções são de um rombo de R$ 123 bilhões, abaixo da meta de R$ 139 bilhões – sabe-se que a partir de 2021 a situação poderá desandar.

6) A Previdênci­a prossegue num caminho perigoso, com um rombo previsto para R$ 290 bilhões neste ano e R$ 308 bilhões no ano que vem, incluindo as contas do INSS e do regime próprio da União (servidores e militares). E, pior, apontando para cima. Há consenso de que é preciso partir para uma reforma que eleve a idade mínima para a aposentado­ria, além de equiparar trabalhado­res do setor privado e servidores públicos. Mas não há concordânc­ia em relação a todos os aspectos da reforma de Temer, até porque não entraram no mesmo “caldeirão” todos os regimes de aposentado­ria, como é o caso dos militares.

Por tudo isso, no mundo virtual, muitos palpites e avaliações podem dar a ilusão de que, com uma penada, o futuro governo conseguirá recuperar a confiança dos mercados, empresas, cidadãos comuns e, em consequênc­ia, minimizar essas vulnerabil­idades da economia. Na vida real, porém, muito suor espera o futuro presidente, inclusive na articulaçã­o com o Congresso, para mostrar resultados nessa direção.

No vale-tudo virtual, sobram ‘soluções’ para a economia. Mas realidade desafia governo

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