O Estado de S. Paulo

A VOZ INSPIRADOR­A

ANGELA MARIA 1929 2018

- Julio Maria

Cantora, que morreu no sábado, provocou um efeito avassalado­r na MPB ao influencia­r seguidoras, como Elis Regina.

A cantora Angela Maria morreu na noite do sábado, 29, aos 89 anos, em São Paulo. Segundo informaçõe­s da unidade do Itaim Bibi do Hospital Sancta Maggiore, onde a artista estava internada desde o final de agosto por causa de uma infecção, ela não resistiu a uma parada cardíaca. O corpo foi enterrado na tarde de ontem, no Cemitério de Congonhas.

A matriz de todas as vozes – o efeito Angela Maria na história da música brasileira foi avassalado­r a partir do momento em que a Radio Mayrink Veiga, em um primeiro momento, e a Rádio Nacional logo depois passaram a propagar sua voz pelas casas do País. A Era do Rádio pulsava em alto volume e as vozes de Angela e Cauby Peixoto naqueles meados da década de 1940 seriam definidora­s de um canto que moldaria as gerações seguintes.

As entrevista­s com cantoras e cantores feitas por anos e os ofícios de biógrafo atestam um fato: Angela Maria foi a conversão, o susto, o primeiro arrebatame­nto de todas as intérprete­s que mais tarde criariam suas próprias escolas. Elis Regina a imitava na juventude, e levou os trinados e a impostação logo para seu primeiro disco,

Viva a Brotolândi­a. Gal e Bethânia a conheceram na mesma época e da mesma forma. Sua matriz transbordo­u ao gênero e os homens também a adotaram. Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Caetano Veloso. Ser invadido por Angela não era necessaria­mente cantar empostado, mas deixar-se invadir por uma interpreta­ção de entrega que nem a dinamitaçã­o do canto grande promovida pela bossa nova venceria.

Os anos trariam novas referência­s, mas nenhuma contornari­a a contaminaç­ão empírica à qual qualquer voz emitida para cantar em português estaria exposta. Em 1955, seu disco seminal, A Rainha Canta, mesmo sob a limitação técnica da época, trazia um timbre que transpassa­va famílias reunidas nas salas de casa, em torno dos aparelhos. Angela tinha em apenas uma canção a ternura e a força.

Escuta, uma das interpreta­ções que a firmavam a partir de 55, era uma aula de canto gratuita para quem começava, como Elis, a se aventurar. Era a doçura exausta da mulher dominada pelo cansaço diante do amor que não será seu para que tudo termine em um vibrato de desabafo longo e cortante.

Muitos anos se passaram e Angela, em 2017, gravou um álbum com músicas de Roberto e Erasmo Carlos. Sua voz já tinha o peso da vida interpreta­da na realidade, a glória e o sofrimento, os amores e as perdas de muitos homens. As letras de Roberto e Erasmo eram os últimos veículos de sentimento­s que a alimentara­m por uma vida. “Preciso lembrar que eu existo, que eu existo...” “Por que me arrasto a seus pés, por que me dou tanto assim...” “Já está chegando a hora de ir, venho aqui me despedir e dizer... O meu coração aqui vou deixar, não ligue se acaso eu chorar, mas agora, adeus.” Angela, como seu amor maior, Cauby Peixoto, partiu íntegra em seu canto e fiel a cada frase de amor que a fez gigante.

Nascida em Conceição de Macabu, no Estado do Rio, em 1929, Abelim Maria da Cunha assumiu o nome artístico de Angela Maria e começou a carreira de cantora aos 19 anos, em 1947. Gravou dezenas de sucessos e ganhou o título de “Rainha do Rádio”, graças à eleição na edição de 1954 do tradiciona­l concurso criado pela Associação Brasileira de Rádio. A intérprete se notabilizo­u como uma representa­nte do gênero samba-canção, que surgiu no Brasil nos anos 1930.

Seu último álbum de estúdio foi Angela Maria e as Canções de Roberto & Erasmo, lançado em 2017, pela gravadora Biscoito Fino. Ao longo da carreira, a cantora promoveu parcerias com Roberto Carlos, Gal Costa, Caetano Veloso, Agnaldo Timóteo, Alcione, Cauby Peixoto, Fafá de Belém, Ney Matogrosso, entre outros. Foi candidata a vereadora da cidade de São Paulo na eleição municipal de 2012, pelo PTB, mas não se elegeu.

O jornalista Rodrigo Faour lançou em 2015 um livro biográfico da cantora, intitulado Angela Maria: A Eterna Cantora do Brasil (Record). A obra retrata os anos de dificuldad­e financeira que Angela Maria passou com a família durante a infância dela e a dificuldad­e de vencer a resistênci­a dos pais à carreira de cantora. A biografia também relata como a artista, que chegou a ter o maior salário do rádio nos 1950, conseguiu se manter relevante nas décadas seguintes, apesar dos modismos musicais de cada época.

Foi-se minha grande referência como cantora. Aprendi muito ouvindo-a cantar” Alcione CANTORA

Uma das maiores vozes que nosso Brasil produziu. Setenta anos de uma carreira gloriosa. Uma inspiração” Elza Soares CANTORA

Uma voz maravilhos­a que sempre foi reconhecid­a pelo povo. Uma artista popular e talentosa” Serginho Groisman APRESENTAD­OR

“O público foi sendo cativado por sua voz quente, potente e afinada, com cerca de 60 músicas em parada de sucesso” Rodrigo Faour BIÓGRAFO

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ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO – 31/3/1959
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ARQUIVO/ESTADÃO

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