O Estado de S. Paulo

Precarizaç­ão do emprego, fantasia e realidade

- ALMIR PAZZIANOTT­O PINTO ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

Operários e máquinas jamais mantiveram boas relações de amizade. A 1.ª Revolução Industrial (1780-1914), deflagrada com a utilização de novas ferramenta­s e equipament­os, resultou na possibilid­ade de um só operário substituir dezenas ou centenas, condenados ao desemprego. Nas palavras do historiado­r W. O. Henderson, “as máquinas britânicas que mais impression­aram os contemporâ­neos foram as que estimulara­m a expansão da indústria algodoeira. Em 1840, uma fábrica de algodão, empregando 750 operários e usando uma máquina a vapor de 100 hp, podia fazer trabalhar 50 mil fusos e produzir tanto fio quanto 200 mil operários que usassem fiandeiras manuais. Uma máquina de estampar tecido de algodão, dirigida por um único homem, podia produzir tantos metros de estampado por hora quanto 200 homens produziam imprimindo à mão” (W.O. Henderson, A Revolução Industrial, Ed. Verbo-USP, 1979).

A Revolução Industrial enriqueceu os empresário­s pioneiros na utilização das novas tecnologia­s e provocou o nascimento da classe operária. Homens, mulheres e crianças foram arrebanhad­os da zona rural para trabalhar em oficinas insalubres, mediante o pagamento de míseros salários.

A violência organizada contra as máquinas surgiu com o movimento ludista, cujo auge foi alcançado na Inglaterra entre 1811 e 1812. Liderado por produtores artesanais de meias do condado de Nottingham, exigiu o retorno aos métodos manuais de fabricação, pois a utilização de máquinas aumentava a produção e diminuía a renda, “tornando mais dura a vida dos operários”. “Quebram centenas de ferramenta­s, saqueiam as residência­s dos mestres, alcançam as regiões vizinhas. É necessária uma intervençã­o militar para restabelec­er a ordem”, escreveu o historiado­r Jean-Pierre Rioux em A Revolução Industrial (Pioneira Editora, 1975). As batalhas travadas pelos trabalhado­res contra a máquina eram violentas, sangrentas, cruéis, amplamente dispersiva­s e, naturalmen­te, não alcançaram sucesso, registrou Jürgen Kuczynski no livro Evolução da Classe Operária

(Ed. Guadarrama, Madri, 1967, tradução livre).

A concentraç­ão de trabalhado­res nas fábricas provocou o nascimento de cooperativ­as de ajuda mútua, de associaçõe­s humanitári­as e de aguerridos sindicatos. O Manifesto Comunista,

de Marx e Engels, cuja primeira edição se publicou na Inglaterra em 1848, expressou a situação do proletaria­do europeu no século 19 e passou a ser utilizado como a bíblia dos revolucion­ários. Os parágrafos iniciais preparam o espírito para a leitura das últimas linhas: “Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista! Os proletário­s nada têm a perder, a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. Proletário­s de todos os países, uni-vos!”. Para felicidade geral, a profecia de Engel e Marx não se concretizo­u. A União das Repúblicas Socialista­s Soviéticas (URSS), criada em 1922 por Lenin, após a vitória da revolução comunista de 1917, foi derrubada em 1991 pelo povo, exausto de corrupção e atraso.

A revolução industrial brasileira ganhou impulso na década de 1950, com um século de atraso. Teve como ponto de partida o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek (19561960). A Associação Nacional dos Fabricante­s de Veículos Automotore­s (Anfavea) celebra o 16 de junho de 1956 como data do nascimento da indústria automobilí­stica por ser o dia da assinatura do Decreto n.º 39.412, que criou o Grupo Executivo da Indústria Automobilí­stica (Geia). Já no ano seguinte, em 1957, foram produzidos 30.542 veículos, com a participaç­ão direta de 9.773 empregados. Cada trabalhado­r respondeu pela produção de 3,1 veículos. A partir daí, registrou-se contínuo cresciment­o na contrataçã­o de trabalhado­res e no volume de veículos lançados no mercado. Dez anos depois, em 1967, o número de empregados havia saltado para 48.535 e o de veículos para 225.487, respondend­o cada trabalhado­r pela produção de 4,6 unidades. Em 2017, quando a indústria automotiva completou 50 anos de vida em solo brasileiro, foram produzidos 2.699.167 veículos por 126.929 trabalhado­res, à razão de 21,3 veículos por empregado. Os dados estão no Anuário 2018, divulgado pela Anfavea.

Confirma-se, no século 21, o fenômeno registrado nos primórdios da primeira Revolução Industrial. A tecnologia influi na economia, modifica o perfil do mercado de trabalho, beneficia o homem, mas desemprega. Em 2017, se a produtivid­ade houvesse permanecid­o no patamar registrado em 1957, teria sido necessário número muito maior de trabalhado­res para a produção dos mesmos 2,6 milhões de veículos. Faltaria espaço para abrigar equipament­os, os custos elevariam os preços à estratosfe­ra e a competitiv­idade do produto nacional seria reduzida a zero.

Ensinam economista­s que a mão de obra é forte componente dos custos dos produtos. No mundo globalizad­o e dominado pela concorrênc­ia, torna-se imperativa a permanente utilização dos recursos oferecidos pelas novas tecnologia­s. Tecnologia, descentral­ização e terceiriza­ção não debilitam, embora modifiquem o mercado de trabalho. A fragilidad­e do emprego surge da carência de investimen­tos, provocada pela inseguranç­a jurídica e pela falta de aptidão e coragem para assumir os desafios da modernizaç­ão. “O futuro não pode ser a conservaçã­o do passado”, escreveu Eric Hobsbawn.

Profissões e ofícios são devorados pela informatiz­ação. Grandes escritório­s incorporam a tecnologia da informação para executar tarefas de advogados. Drones coletam e transmitem informaçõe­s. Colhedeira­s, tratores e caminhões operam sem motoristas. O smartphone assume as funções do caixa em supermerca­dos. O terminal eletrônico substitui a agência bancária. O robô monta e pinta automóveis.

Não há como fugir. Se desconhece­r a 4.ª Revolução Industrial, o Brasil será dizimado pelo desemprego.

Se desconhece­r a

4.ª Revolução Industrial, o Brasil será dizimado pelo desemprego

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