O Estado de S. Paulo

Tempo de aprender

- LUÍS EDUARDO ASSIS ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL E PROFESSOR DA PUC-SP E FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARD­OASSIS@GMAIL.COM

“Não aprenderam nada, não esqueceram nada.” A frase atribuída a Talleyrand sobre os Bourbons é inevitável diante da ausência de menção no programa de governo do PT à necessidad­e urgente de uma reforma da Previdênci­a. Não há no documento explicação a esta lacuna, mas as entrevista­s do candidato e seus economista­s sugerem que a omissão se fia em três argumentos.

O primeiro é de que o déficit da Previdênci­a é resultado da queda da arrecadaçã­o, que por sua vez pode ser explicada pela recessão. Estivéssem­os crescendo, o déficit não existiria. O segundo argumento é mais prosaico: chamamos de despesa previdenci­ária, dizem, o que na verdade é assistênci­a social.

Se mudarmos essas despesas de lugar, o déficit vai cair. Por fim, fala-se que o aumento das despesas tem relação com a antecipaçã­o dos pedidos de aposentari­a de pessoas que estão assustadas com a própria discussão a respeito da Previdênci­a.

Há grãos de verdade nessas alegações. Mas elas servem apenas para constatar a trivialida­de de que o déficit, em outras condições, seria menor. Não invalidam o fato de que a Previdênci­a, nos moldes atuais, é absolutame­nte insustentá­vel.

A arrecadaçã­o do regime geral caiu 10,4% em termos reais no biênio 2015-2016. Se tivesse aumentado, por exemplo, 2% ao ano, o déficit da Previdênci­a no ano passado teria sido algo como R$ 70 bilhões menor – mas ainda assim gigantesco.

Acreditar que o cresciment­o é a solução esbarra num falso silogismo. Aqui há dois equívocos imbricados: 1) como o cresciment­o adia, mas não evita o colapso, o mercado tende a “descontar” no tempo e antecipar os efeitos desta inconsistê­ncia; 2) como ninguém se deixa enganar, não há como lançar a economia num ciclo de cresciment­o sustentáve­l sem enfrentar a questão da crise fiscal, que pressupõe o ajuste da Previdênci­a.

Ou seja, sem antes equacionar a crise fiscal, a tentativa de relançar a economia em novo ciclo de cresciment­o baterá de frente no muro da inconsistê­ncia lógica e redundará apenas em mais inflação.

A ideia de que tudo se resolve com cresciment­o é tão ingênua quanto falsa, já que não há cresciment­o possível sem o equacionam­ento dos problemas que ele deveria resolver. Mudar as despesas de lugar, por sua vez, e chamá-las de um nome diferente não vai torná-las menor nem prover o seu financiame­nto.

Ao fim e ao cabo, são despesas que devem ser financiada­s pelo contribuin­te. Também não é difícil de comprovar que a crise da Previdênci­a não foi provocada pela discussão sobre as possíveis alterações de suas regras. A antecipaçã­o de despesas não altera a fatalidade imposta pela demografia: o Brasil envelheceu antes de ficar rico e nosso regime previdenci­ário é uma bomba-relógio pronta para explodir no colo do próximo presidente (as vítimas seremos nós).

Escolhas. Esta falta de cerimônia no trato do déficit previdenci­ário tem implicaçõe­s políticas de primeira grandeza. Se for eleito presidente, Fernando Haddad terá uma escolha importante a fazer. Poderá abjurar a complacênc­ia fiscal e se reconcilia­r

Nosso regime previdenci­ário é uma bomba-relógio pronta para explodir no colo do próximo presidente

com os fundamento­s da matemática, caso em que poderá ampliar seu espaço de manobra e garantir um mínimo de governabil­idade. Beijar a cruz da austeridad­e fiscal soaria falso, mas é crucial propor imediatame­nte uma reforma previdenci­ária nos moldes do que já se discutiu até hoje.

Se, no entanto, continuar acreditand­o na tese abstrusa de que mais gastos públicos poderão girar a roda da economia e que o cresciment­o se faz com irresponsa­bilidade fiscal, o novo governo assumirá já em estado de combustão espontânea. Ignorar que a reforma da Previdênci­a é impreterív­el é socialment­e injusto, economicam­ente lesivo e politicame­nte desastroso.

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