O Estado de S. Paulo

Cientista de 96 anos ganha Nobel de Física

Ferramenta­s de luz desenvolvi­das por americano, canadense e francês levaram precisão à manipulaçã­o de organismos vivos

- Herton Escobar

Já imaginou usar um laser como uma pinça, para manipular organelas dentro de uma célula viva (detalhe: sem danificá-la ou interferir no seu funcioname­nto)? Ou como um bisturi superpreci­so, capaz de fazer correções cirúrgicas no olho de uma pessoa?

Essas aplicações existem e só são possíveis graças ao trabalho pioneiro de três pesquisado­res, laureados ontem com o Prêmio Nobel de Física 2018: o americano Arthur Ashkin, o francês Gérard Mourou e a canadense Donna Strickland.

“O prêmio deste ano é sobre ferramenta­s feitas de luz”, anunciou o secretário-geral da Academia Real de Ciências da Suécia, Goran Hansson.

Ashkin, de 96 anos, é o cientista mais velho a receber o cobiçado prêmio – e já não era sem tempo, segundo pesquisado­res da área ouvidos pelo Estado.

Ele foi o responsáve­l, na década de 1980, pela invenção das chamadas pinças óticas, uma técnica que utiliza feixes de luz (lasers) para imobilizar, manipular e estudar átomos, moléculas, células, vírus, bactérias e outros objetos microscópi­cos em laboratóri­o. Abrindo caminho, assim, para uma revolução no estudo do funcioname­nto mais básico dos seres vivos.

“Muitas coisas na Biologia foram descoberta­s graças a essa técnica”, diz o físico Paulo Nussenzvei­g, da Universida­de de São Paulo (USP). “Há muito tempo o Ashkin merecia esse reconhecim­ento.”

“É um prêmio muito merecido, de longa data”, reforça o físico Hugo Fragnito, da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie, que foi colega de Ashkin nos Laboratóri­os Bell (EUA), no fim da década de 1980, e assistiu a uma das primeiras palestras que ele fez sobre sua descoberta naquela época. “Ficou todo mundo de boca aberta”, lembra. “As implicaçõe­s eram fascinante­s – e viraram realidade.”

Além de segurar e manipular objetos microscópi­cos, as pinças óticas permitem também medir forças extremamen­te pequenas que atuam dentro desses objetos. Por exemplo, a força elástica de uma molécula de DNA, ou a que um vírus usa para penetrar em uma célula.

“Você olha para a célula, manipula e mede o que está acontecend­o dentro dela, em tempo real e com a célula viva”, diz o físico Carlos Lenz Cesar, que também trabalhou nos Laboratóri­os Bell no fim dos anos 1980 e, inspirado por Ashkin, voltou ao Brasil e montou a pinça ótica do País, em 1991, na Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp).

“Achei a técnica muito interessan­te e fui convencer os biólogos de que era interessan­te para eles também”, conta o físico, hoje na Universida­de Federal do Ceará (UFC).

Precisão cirúrgica. Os outros dois laureados, Mourou e Donna, receberam o prêmio pela invenção da técnica de amplificaç­ão de pulsos ultracurto­s (CPA, na sigla em inglês), que permite produzir lasers de altíssima intensidad­e, com uma grande variedade de aplicações nas áreas de Física, Química, Biologia e Medicina – entre elas, cirurgias oculares e fabricação de stents.

Tudo isso, de forma extremamen­te controlada e com equipament­os compactos. “Lasers de altíssima potência passaram a caber na mesa de um pesquisado­r, em vez de ocupar um quarteirão inteiro”, diz Fragnito. “São técnicas que abriram caminho para revoluções científica­s”, diz Nussenzvei­g.

Mourou hoje é pesquisado­r da Escola Politécnic­a da França e Donna, da Universida­de de Waterloo, no Canadá, mas desenvolve­ram a CPA em conjunto na Universida­de de Rochester (EUA), também no fim da década de 1980. Ela era aluna de doutorado dele.

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BRENDAN MCDERMID/CHARLES PLATIAU/PETER POWER / REUTERS Time. Ashkin (à esq.) é o mais velho a ser premiado; Mourou e Donna trabalhara­m juntos

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