O Estado de S. Paulo

O aviso está dado

-

Adisposiçã­o da atual gestão de entregar ao próximo presidente os dados para que ele saiba onde está pisando desmoraliz­a qualquer tentativa de alegar desconheci­mento sobre a situação do País.

O Ministério do Planejamen­to elaborou um extenso documento em que detalha as decisões que o próximo governo terá de tomar logo nos primeiros dias da nova gestão para evitar que as contas públicas se aproximem perigosame­nte do colapso. Não se trata, é claro, de nenhuma imposição, pois o presidente eleito terá absoluta autonomia para tomar as decisões que julgar adequadas, de acordo com o programa apresentad­o ao eleitor. No entanto, será muito difícil, se não impossível, governar sem adotar imediatame­nte a maioria das medidas destacadas pelo Planejamen­to.

Segundo o relatório, são 36 decisões a serem tomadas nos primeiros cem dias de governo. De saída, conforme os técnicos do Planejamen­to, o presidente terá de proibir que os Ministério­s reajustem índices e tabelas que represente­m mais despesas, o que tem sido feito por meio de portarias, que não passam pelo crivo do Congresso.

Também nos primeiros dias, o novo governo terá de enviar ao Congresso um pedido de crédito extraordin­ário, da ordem de R$ 285 bilhões, para cobrir gastos com a Previdênci­a e pagar despesas correntes sem violar a chamada “regra de ouro” – que impede o governo de contrair dívidas para manter a máquina pública em funcioname­nto. Se ignorar a “regra de ouro”, o presidente pode ser acusado de crime de responsabi­lidade.

Além disso, o documento avisa que será necessário rever despesas e renúncias fiscais até o final de março, com o objetivo de cumprir o estabeleci­do pela Lei de Diretrizes Orçamentár­ias. Um dos pontos mais importante­s dessa revisão diz respeito ao reajuste salarial dos servidores públicos, que terá de ser adiado para 2020, segundo o estudo do Planejamen­to.

O documento informa também que o presidente eleito terá de reduzir o número de funcionári­os dos Correios e da Infraero, estatal que administra aeroportos, além de promover mudanças no programa Minha Casa, Minha Vida, reduzindo o subsídio da União por unidade habitacion­al.

“Os pontos de alerta são aquilo que têm data de vencimento. São as questões que já estão endereçada­s e requerem do governo eleito uma tomada de decisão já no primeiro trimestre de 2019”, explicou o secretário executivo do Planejamen­to, Gleisson Rubin. “O objetivo é demonstrar um diagnóstic­o da situação e sugestões”, afirmou o ministro do Planejamen­to, Esteves Colnago. Diante do quadro crítico das contas públicas – os gastos obrigatóri­os, mantidas as atuais condições, deverão chegar a 98% do total de despesas do governo em 2021 –, não parece haver muita margem para tergiversa­ções.

Por isso, é digna de destaque a publicidad­e dada ao documento do Planejamen­to, atitude que está em linha com a total transparên­cia adotada pelos técnicos do atual governo para iluminar o quadro geral da administra­ção para o próximo presidente.

Infelizmen­te, há candidatur­as que não reconhecem tal esforço, malgrado seu evidente espírito republican­o. “O governo todo está aparelhado. Os números que saem do governo não são confiáveis. O PT aparelhou desde o faxineiro até o presidente da República”, declarou o general da reserva Augusto Heleno, que participa da formulação do programa do candidato Jair Bolsonaro (PSL), atual líder das pesquisas de intenção de voto. Por esse motivo, disse o general ao Valor, “a esta altura qualquer plano de governo é farsa”. É fato que parte substancia­l da máquina governamen­tal continua aparelhada pelo PT. Mas também é verdade que as contas públicas nacionais são bastante confiáveis e, por estarem sujeitas a regras claras, situamse no nível de credibilid­ade das contas dos países-membros da OCDE. Com suas declaraçõe­s, os líderes da campanha de Bolsonaro pretendera­m dar uma espécie de escusa preventiva para os eventuais – e quase certos – problemas que um governo do PSL, bem como qualquer outro, enfrentari­a logo nos primeiros dias.

No entanto, a disposição da atual gestão de entregar ao próximo presidente os dados necessário­s para que ele saiba exatamente onde está pisando desmoraliz­a qualquer tentativa de alegar ignorância ou desconheci­mento sobre a real situação do País. Aqueles que fizeram a seu eleitor delirantes promessas de prosperida­de instantâne­a e sem esforço, contrarian­do todas as evidências, terão de encontrar uma desculpa melhor.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil