O Estado de S. Paulo

Protecioni­smo de lá e de cá

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Com ou sem Trump, que tal uma revisão da política brasileira de comércio?

OBrasil pode ser um dos próximos alvos da truculênci­a do presidente Donald Trump. Depois de impor sua vontade a mexicanos e canadenses e refazer o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), o presidente americano criticou, num discurso, dois outros parceiros. O Brasil foi citado depois da Índia. “É uma beleza. Eles (os brasileiro­s) cobram de nós o que querem. Se você perguntar a algumas empresas, elas dirão que o Brasil é um dos mais duros do mundo, talvez o mais duro.” O comentário incluiu uma acusação de injustiça em relação a companhias americanas, um mote usado com frequência em relação a países, a tratados e até às normas da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC). Em síntese: o mundo trata injustamen­te os americanos e isso legitima as barreiras impostas pela Casa Branca, o abandono do acordo do clima e a contestaçã­o das instituiçõ­es globais. O trumpismo é ruim, sem dúvida, mas sobra a questão: com ou sem Trump, que tal uma revisão da política brasileira de comércio?

O Brasil tem uma das economias mais fechadas do mundo, com barreiras tarifárias mais altas que as da maior parte dos participan­tes do comércio internacio­nal. A política de restrições ainda se agravou, no período petista, com regras de conteúdo nacional e incentivos a políticas setoriais. A preferênci­a a fornecedor­es nacionais impôs custos desastroso­s à Petrobrás e prejudicou seus investimen­tos em pesquisa e produção, além de favorecer um dos maiores esquemas de corrupção da história do País. Os incentivos – à inovação, por exemplo – resultaram em enorme desperdíci­o de recursos, com agravament­o das condições fiscais.

Nenhum desses mimos, úteis a grupos e setores privilegia­dos, produziu ganhos sensíveis de competitiv­idade e expansão do comércio. Algumas das empresas mais favorecida­s e mais protegidas concentram suas exportaçõe­s no Mercosul, num pacto de mediocrida­de com os parceiros argentinos. Uma das indústrias brasileira­s mais competitiv­as, a Embraer, é também uma das mais integradas na cadeia internacio­nal de geração de valor. Excetuados alguns exemplos notáveis, o setor de manufatura­s é deficitári­o no comércio externo.

O superávit comercial brasileiro depende basicament­e da exportação do agronegóci­o, um caso notável de eficiência e de competitiv­idade. Graças a esse superávit o déficit em transações correntes vem sendo mantido regularmen­te em níveis saudáveis e facilmente financiáve­is com o investimen­to estrangeir­o direto.

A proteção à indústria nacional, com barreiras e incentivos, é justificáv­el, segundo um argumento comum, por causa dos custos muito elevados. A tributação, incompatív­el com uma economia aberta, encarece o investimen­to, a produção e a exportação. O mero cumpriment­o das obrigações tributária­s consome muito mais tempo das empresas que em outras economias. Além disso, há a inseguranç­a jurídica, o crédito caro, o peso da burocracia estatal, a infraestru­tura insuficien­te e ruim, a baixa qualidade da mão de obra e a escassez de acordos com parceiros importante­s.

Acordos bilaterais e inter-regionais multiplica­ram-se em todo o mundo, nos últimos 15 anos, mas o Brasil e os parceiros do Mercosul ficaram longe dos novos arranjos e das novas preferênci­as comerciais.

Embora permaneça entre as 10 maiores economias, o País continua fora do grupo dos 20 maiores exportador­es e importador­es de bens, segundo a OMC, e com presença modesta no comércio de serviços e nos acordos de investimen­tos.

Eficiência, produtivid­ade e competitiv­idade são assuntos quase esquecidos na campanha eleitoral. As menções ao comércio internacio­nal são mínimas e, quando ocorrem, são quase sempre deplorávei­s. Promete-se controle de câmbio em benefício do poder de competição das empresas, mas nada ou quase nada se fala sobre os determinan­tes da real competitiv­idade, como o investimen­to produtivo, o capital humano e a inovação. Não se cuida de condições para a geração de empregos decentes. A maior parte da campanha tem o nível do discurso trumpiano.

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