O Estado de S. Paulo

Entre o justiceiro e o pau-mandado

- JOSÉ NÊUMANNE JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

Adisputa marcada para domingo 7 de outubro nas urnas eletrônica­s do Brasil não se travará entre democracia e autoritari­smo, esquerda e direita ou pobres contra ricos. Nada disso: ela ocorrerá entre o justiceiro e o pau-mandado. Começou nas ruas em 2013 e não terminará no anúncio oficial pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dos vencedores nas urnas.

Em 2013, a classe média espoliada pelo Estado estroina, voraz e indiferent­e à realidade de lares e escritório­s do País, saiu às ruas para clamar contra os péssimos serviços públicos prestados por gestores ineptos e insensívei­s e a corrupção que depaupera o erário e joga a governança ética no lixo. A presidente da época, Dilma Rousseff, poste indicado por Lula da Silva, do PT, e eleita com a luxuosa ajuda do PMDB, de Michel Temer, respondeu com a promessa de comandar cinco pactos para responder à massa nas áreas de responsabi­lidade fiscal, reforma política, saúde, transporte público e educação. Ganha uma viagem para Xangrilá quem citar uma providênci­a adotada por ela para melhorar qualquer dos setores.

Mas, no ano seguinte, a mesma chapa, negociada pelo chefão Lula com Temer de vice, venceu a eleição presidenci­al, sob a égide do maior estelionat­o eleitoral da História. Este se manifestou de duas formas. Sob a batuta do marqueteir­o João Patinhas Santana e de sua mulher, Mônica Moura, os vencedores enganaram os eleitores com uma publicidad­e asquerosa que acusava falsamente a ex-petista Marina Silva de conluio com banqueiros para impedir que os pobres comessem. A propaganda eleitoral foi paga com propina na veia: dinheiro de empreiteir­as beneficiad­as em contrataçõ­es públicas para iludir o cidadão incauto e comprar uma oposição de fancaria do candidato derrotado, o tucano Aécio Neves.

Depois, o TSE os inocentou dos crimes cometidos e denunciado­s que vitimaram o eleitor, não pela falta de provas, alegada por seu presidente Gilmar Mendes, mas pelo excesso delas, conforme denunciou o relator Herman Benjamin.

Esta, porém, não foi a primeira - e nada indica que será a última - agressão absurda à lei praticada pela cúpula do Judiciário, vigilante na defesa de quem os tenha nomeado. Do escândalo do mensalão saíram indultados pela distraída Dilma Rousseff e perdoados pelo leniente plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) todos os seus mandantes petistas e aliados. Até hoje ainda cumpre pena o bode expiatório, dito operador, Marcos Valério Fernandes de Souza. Exceção à regra, José Dirceu reincidiu no crime enquanto cumpria pena de 30 anos e meio de cadeia. Ainda assim, foi solto pelo Trio Solta o Ladrão da Segunda Turma do STF: o presidente do clube, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowsk­i.

Acontece que esses arreganhos de impunidade têm sido desafiados desde 2014, só por isso um ano histórico: afinal, nele teve início a Operação Lava Jato, na qual policiais, procurador­es e juízes federais devassaram o maior caso de rapina dos cofres públicos da História, o petrolão. No último quadriênio, a Nação brasileira passou a conviver com uma realidade estranha à tradição de desrespeit­o ao direito mais pétreo de nossa ordem constituci­onal, a igualdade de todos os cidadãos, pobres ou ricos, perante a lei, primado do Estado de Direito. Uma mistura de ousadia, honestidad­e e conhecimen­to dos truques dos corruptos lavadores de dinheiro levou às celas – antes reservadas apenas para pretos, pobres e prostituta­s – magnatas como o empreiteir­o Marcelo Odebrecht e políticos poderosos e populares como o padim Lula.

A devassa desmontou a farsa da cruzada ética dos socialista­s de araque, mas a maior de suas vítimas foi Aécio Neves, que saiu da derrota para Dilma como a esperança de 50 milhões de brasileiro­s que nunca acreditara­m nos petistas ou se frustraram com eles. Mas foi flagrado nas investigaç­ões como sócio minoritári­o, nem por isso menos desprezíve­l, deles.

A Lava Jato e filhotes deram à Nação a confiança de que chegara a hora de desratizar os palácios infestados dos três Poderes da República. A ilusão do verão do desemprego, da bala perdida e dos R$ 50 milhões entesourad­os no apê dos Vieira Lima respondia ao mote “não reeleja ninguém”.

Mas o acordão do outono não tardaria a desmontar a bomba que ameaçava explodir a engenharia perversa do desalento da Nação assaltada. A eleição de outubro foi planejada como a sagração da primavera da baixíssima renovação do Congresso garantindo o foro privilegia­do, da liberdade do capitão do time de Lula e da fé renovada no poder demiúrgico do famigerado presidiári­o.

Do inverno de desesperan­ça majoritári­a para cá os institutos de pesquisa flagraram na alma nacional as únicas saídas que ora lhe parecem viáveis. Como já está provado que Lula é Haddad, ou seja, o preposto não é mais o poste, mas paumandado e codinome do real titular da chapa triplex, o sonho de voltar a viver sob os eflúvios de seu mandato de bonanças sem ter de se submeter às catástrofe­s de madame Rousseff tornou viável a hipótese de incluir os condenados do mensalão e do petrolão no perdão geral a todos os gatunos.

Do lado oposto, a fresta achada pelas vítimas dos desgoverno­s do PT e do PMDB aliados se voltou para o único dos candidatos viáveis à Presidênci­a que não fez parte das quadrilhas que limparam os cofres da República nem figura no rol de eventuais beneficiár­ios do “solta os meus que não permito que prendam os seus”.

Pode-se dizer que Jair Bolsonaro, do PSL, só não participou da bandalheir­a em que se lambuzaram PT, PCdoB, PDT, PMDB, PSB, PP, PSC, PRB e, last but not least (por último, mas não por menos), PSDB e DEM, porque não tinha importânci­a no jogo do poder que bancou o bicho da corrupção nos últimos 16 anos. E daí? Importa agora é que o duelo travado é, de fato, entre Lula, vulgo Haddad, e Jair, o mais escrachado de tudo quanto representa seu oposto. E o resto é lorota.

De um lado, Lula é mesmo Haddad e, de outro, Bolsonaro, a real opção contra o petista

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