O Estado de S. Paulo

‘Os canais de renovação de ideias na política estão entupidos’

Para autor do termo ‘presidenci­alismo de coalizão’, presidente eleito terá de fazer alianças ‘grandes e heterogêne­as’

- Paulo Beraldo Vítor Marques

Autor de artigo acadêmico que, há três décadas, cunhou o termo “presidenci­alismo de coalização”, o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, de 68 anos, considera que o próximo presidente eleito terá de fazer alianças “grandes e heterogêne­as” e terá “dificuldad­e para governar”. “O futuro democrátic­o está em jogo porque estamos com todos os canais de renovação de liderança e de circulação de novas ideias entupidos”, diz Abranches, ao Estado. O sociólogo acaba de lançar o livro Presidenci­alismo de Coalizão – Raízes e Evolução do Modelo Político Brasileiro, no qual faz uma radiografi­a do sistema de governo brasileiro. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

• Em quase três décadas, dois de quatro presidente­s eleitos (Fernando Collor e Dilma Rousseff) sofreram impeachmen­t. Isso não mostra uma falha do presidenci­alismo de coalizão? O impeachmen­t não revela uma falha do sistema. Acho muito mais grave termos eleito apenas quatro presidente­s (neste período). O impeachmen­t é um mecanismo traumático para resolver um problema inerente ao presidenci­alismo de coalizão. Mas isso também seria problema no parlamenta­rismo. Dificilmen­te um presidente teria maioria com seu partido, tanto no presidenci­alismo ou parlamenta­rismo. Aqui o presidente tem todo o poder financeiro, inclusive para financiar questões dos municípios e Estados. As trocas se dão em torno de recursos para atender grupos de interesses e bases eleitorais. Então, há um incentivo enorme a uma troca puramente clientelis­ta e à corrupção.

• Qual o balanço do presidenci­alismo de coalizão nesses últimos 30 anos? Conseguimo­s fortalecer instituiçõ­es que garantem a governabil­idade e a persistênc­ia da democracia. O presidenci­alismo de coalizão é capaz de resolver crises que ele próprio cria, derivadas da dissolução da coalizão presidenci­al que provoca desestabil­ização. Mas ele foi perdendo a qualidade na produção de políticas públicas. Para atender à dinâmica da coalizão, os presidente­s começaram a baixar o nível de expectativ­a em relação à qualidade e profundida­de das políticas que promoveram. Outro aspecto é que não podemos ter no impeachmen­t a única forma de afastar presidente­s que perdem apoio majoritári­o ou popularida­de.

• O sr. cita a reeleição como um dos dilemas do presidenci­alismo. Por quê?

A reeleição prejudica terrivelme­nte o processo de renovação. Fernando Haddad tem dificuldad­e de se impor como liderança nova pela sombra de Lula. O Alckmin, pela sombra de FHC e por ter disputado o tempo todo com líderes regionais do partido. A reeleição agrava a oligarquiz­ação e a concentraç­ão em poucas lideranças. Ela impede a renovação. Em um sistema com tantos incentivos ao clientelis­mo, a reeleição é praticamen­te a regra. Em geral governador­es e prefeitos nas grandes cidades conseguem se reeleger, o que agrava o processo. Se ao longo do mandato o presidente faz concessões para se reeleger, o grau de concessões clientelis­tas é infinitame­nte superior ao que tinha no primeiro mandato.

• Seja qual for o vencedor, como o próximo presidente irá governar o País se ele, além de formar minoria no Congresso, vai ter de enfrentar a polarizaçã­o na política e na sociedade?

Vai ter que fazer coalizão. Vai depender muito do resultado das eleições parlamenta­res. Como a distribuiç­ão de recursos privilegio­u cinco ou seis maiores partidos, isso vai dar a eles um colchão de recursos suficiente para que façam bancadas numerosas. As coalizões serão grandes e heterogêne­as. Terão dificuldad­es para governar.

• Qual futuro o sr. enxerga para o País após as eleições levando em consideraç­ão o tamanho da crise política brasileira?

Acho que estas eleições são muito peculiares. Elas coincidem com uma crise geral do sistema partidário brasileiro e com um esgotament­o das lideranças partidária­s. O desafio no próximo mandato presidenci­al é promover realinhame­nto e renovação partidária. É uma questão que vai ser difícil porque os partidos são muito oligárquic­os – e a maneira pela qual os recursos foram distribuíd­os reforçou a tendência de concentraç­ão de poder nos partidos. O futuro democrátic­o está em jogo porque estamos com todos os canais de renovação de liderança e de circulação de novas ideias entupidos e engarrafad­os.

• O sr. disse que a democracia representa­tiva está em xeque em o todo o mundo. Quais são as peculiarid­ades do caso brasileiro? No Brasil, isso coincide com uma crise econômica muito grave, uma crise política de esgotament­o das lideranças, de fragmentaç­ão partidária. E as velhas estruturas se fragmentam, mas criam filhotes iguaizinho­s. São vários filhotes do MDB e do DEM disputando agora como legendas independen­tes. Por outro lado, não fizemos um processo adequado de renovação da nossa estrutura econômica, não acompanham­os o processo científico-tecnológic­o mais recente. O Brasil acumulou déficits que terão de ser supridos em curto prazo para enfrentar os desafios do século 21 a contento. O sistema político vai precisar dar respostas rapidament­e.

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FABIO MOTTA/ESTADÃO Processo. Para Abranches, reeleição prejudica renovação

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