O Estado de S. Paulo

Atraso em oferta de remédio afeta 312 mil

Saúde. Falta de entendimen­to entre secretaria­s e ministério dificulta acesso ao levetirace­tam, que foi incorporad­o ao Sistema Único de Saúde, no ano passado, para controlar convulsões de bebês com síndrome congênita de zika e para tratar pacientes com epi

- Lígia Formenti / BRASÍLIA

Incorporad­o no Sistema Único de Saúde (SUS) no ano passado para controlar convulsões de bebês com síndrome congênita de zika e para tratar pacientes com epilepsia, o medicament­o levetirace­tam ainda não é encontrado na rede pública. O atraso na oferta é atribuído a uma falta de entendimen­to entre governo federal e secretaria­s de saúde sobre quem pagará a conta da aquisição do remédio.

“Enquanto uma decisão não vem, o que vemos é uma legião de pacientes esperando, que poderia ser beneficiad­a com tratamento ou protegida de efeitos colaterais de drogas atualmente utilizadas. É muito frustrante”, afirma a professora de Neurologia da Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp), Clarissa Yasuda.

A estimativa é de que o medicament­o poderia ser usado por pelo menos 312 mil pacientes brasileiro­s. O levetirace­tam já é indicado há anos na Europa e vendido em farmácias no Brasil.

Maria Luiza Manreza, coordenado­ra do Departamen­to Científico de Epilepsia da Academia Brasileira de Neurologia, afirma que uma das principais indicações do remédio é para mulheres com o problema em idade fértil ou que estão grávidas. “Estudos mostram que remédios usados para controlar as crises têm efeitos negativos na formação do feto. E um deles, o valproato, por exemplo, tem efeitos ainda mais nocivos. Com isso, não temos ferramenta­s para tratar essas pacientes”, resume Maria Luiza.

Risco menor.

No caso de crianças, o uso do levetirace­tam reduz o risco de efeitos colaterais na capacidade cognitiva. Enquanto a droga não é adotada no SUS, bebês com síndrome congênita recebem nos postos públicos o carbamazep­ina, que é indicada para o tratamento de crises convulsiva­s e de doenças neurológic­as e psiquiátri­cas, e o ácido valpróico.

O levetirace­tam teve a primeira indicação aprovada na Comissão Nacional de Incorporaç­ão de Tecnologia­s no SUS (Conitec) em agosto do ano passado. A decisão foi publicada no início de dezembro. Pela regra

vigente, o governo tem 180 dias para ofertar o medicament­o na rede pública.

À época, informação divulgada pela assessoria da Conitec apontava que o medicament­o é “especialme­nte indicado para pacientes que precisam de pelo menos dois anticonvul­sionantes e também eficaz em pacientes com microcefal­ia ou epilepsia mioclônica juvenil, uma forma que ocorre na adolescênc­ia e tem relação com a história familiar dos indivíduos”.

No relatório de recomendaç­ão

da Conitec, apresentad­o em julho do ano passado, o impacto orçamentár­io da incorporaç­ão do medicament­o em cinco anos foi calculado em R$ 329,034 milhões, sendo cerca de R$ 29,45 milhões no primeiro ano de investimen­to.

À época, o preço do remédio considerad­o no relatório era de R$ 0,79 por comprimido, na apresentaç­ão de 250 mg, mas a dose inicial prevista na bula é de 1.000 mg por dia, podendo chegar a 3.000 mg ao dia.

Questionad­o, o Ministério da Saúde informou, em nota, que a definição sobre o pagamento do medicament­o será tema de uma reunião entre representa­ntes da pasta, secretário­s estaduais e municipais de saúde, marcada para o fim do mês.

Maria Alice Mello Susemilhl, presidente da Associação Brasileira de Epilepsia, no entanto, afirma que o tema já havia sido discutido em outra reunião, sem que uma solução fosse encontrada. “A ansiedade de pacientes é enorme. Imagine saber que o medicament­o já foi liberado e não há prazo para ele, de fato, chegar a você.”

Efeito colateral.

Clarissa afirma que os medicament­os usados atualmente no controle de convulsões disponívei­s no SUS têm entre os principais efeitos colaterais a interação com outras drogas. “Ele acaba alterando a eficiência de medicament­os usados, por exemplo, para diabete, para asma”, observa a professora da Unicamp.

Além disso, o levetirace­tam é dado em duas doses, o que permite ao paciente seguir de forma adequada o tratamento. “O que vou dizer para um paciente do SUS? Para ele comprar o remédio do próprio bolso?”

No entanto, foi o que fez a pedagoga Ismenia Lopes Oliveira, de 32 anos. “Gasto cerca de R$ 250 por mês. Felizmente trabalho, tenho como pagar. Mas e quem não pode?”, indaga a pedagoga.

Trocas.

As primeiras convulsões começaram quando ela cursava a faculdade, em 2007. No início eram três episódios por dia. “Consegui me formar com muito esforço. O desempenho caiu, mas não desisti.”

Depois disso, ela trocou algumas vezes de medicação e fez uma cirurgia. Há dois anos, foi indicado pelo médico um medicament­o, que fez com que ela perdesse muito peso. “Tenho 1,75 metro. Estava com 47 quilos. Todos os conhecidos me perguntava­m o que eu tinha”, conta Ismenia.

Foi aí que ela fez a troca do medicament­o. Na ocasião, a frequência e a intensidad­e das crises já haviam diminuído de forma significat­iva. “Com o remédio, recuperei peso e crises se reduziram ainda mais. Hoje tenho, às vezes, crises de ausência. Algo que só eu percebo.”

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FELIPE RAU/ESTADÃO Busca particular. ‘Gasto R$ 250. Felizmente trabalho, tenho como pagar. Mas e quem não pode?’

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