O Estado de S. Paulo

Clima de eleição não toma as ruas

Desgaste dos políticos se reflete em panfletage­m tímida e militantes tentam driblar falta de paciência ao distribuir propaganda

- Matheus Lara / COLABOROU ADRIANA FERRAZ

Cabo eleitoral tenta distribuir material de campanha na Praça Ramos de Azevedo, no centro de São Paulo; driblar a resistênci­a dos eleitores e enfrentar a falta de paciência em relação à política tem sido um desafio para militantes. Para analistas ouvidos pelo Estado, esse comportame­nto é sintoma da desilusão dos brasileiro­s em relação às eleições.

“Não é santinho de político, não”, se apressa José Augusto Moura, enquanto tenta distribuir folhetos de um restaurant­e na Avenida Paulista, na região central de São Paulo. É uma estratégia. “Só assim para as pessoas aceitarem. Era eu esticar o braço e as pessoas respondiam ‘já tenho candidato’. Hoje em dia ninguém quer saber de político. Até o pessoal das campanhas percebeu.”

Driblar a resistênci­a das pessoas nas ruas e enfrentar a falta de paciência em relação à política tem sido um desafio – não só para Augusto, que trabalha no comércio e é afetado indiretame­nte – mas para militantes que ainda veem no contato corpo a corpo uma forma eficaz de conquistar votos. Para analistas ouvidos pelo

Estado, este comportame­nto e a consequent­e debandada das militância­s das ruas para as redes são sintomas da desilusão dos brasileiro­s em relação às eleições. Assim como há quatro meses o “clima” de Copa do Mundo não foi como em anos anteriores no País, o barulho típico das ruas nos tempos de eleição foi bem diferente e fez surgir a sensação do surgimento de campanhas “fantasmas”, ou pelo menos tímidas.

“Houve muita resistênci­a. Sentimos isso indo para a Praça da República todos os dias”, conta Alex Sandro, que trabalhou numa campanha do PT. “As campanhas foram mais tímidas nas ruas neste ano”, avalia Magali Cristina Lopes, que trabalhou em Itaquera, na zona leste, para um candidato do PSDB. “Difícil. Uma forma de fazer as pessoas aceitarem os santinhos é conversand­o. Fiz isso, mas mesmo assim muitos negavam. Não era assim.”

“A menor intensidad­e de militância nas ruas indica um desgaste dos políticos e da política”, analisa o cientista político Rodrigo Prando, da Universida­de Mackenzie. “Isso deixa as pessoas receosas de se exporem. O clima de violência na política também leva a isso. Mas as campanhas também estão mais virtuais. Mais nas redes do que nas ruas. Isso tudo contribui.”

Outro fator que pesou no afastament­o das militância­s das ruas foi a atuação dos partidos. Em geral, a sensação de não se sentir mais representa­do. Foi o que aconteceu com o funcionári­o público Caike Ramos, que neste ano não militou por candidatos de seu partido, o PSTU. “A desilusão vem por parte dos partidos de esquerda não conseguire­m dialogar com o povo, com a periferia”, diz Caike.

“Há uma possibilid­ade de que as pessoas estejam se manifestan­do agora de forma mais negativa do que positiva em relação às candidatur­as”, diz o cientista político Jairo Pimentel, da Fundação Getulio Vargas. “Além disso, as campanhas estão com menos dinheiro, com a proibição de doações empresaria­is. Isso se reflete em menos gente na rua. Com isso e as desilusões com os partidos, a tendência é mesmo o esvaziamen­to.”

‘Desmoraliz­ação’.

O momento impôs dificuldad­es mesmo para quem já tinha experiênci­a de militância na rua, como o deputado federal Ivan Valente (PSOL), que tenta se reeleger para o quinto mandato. O Estado acompanhou uma panfletage­m do candidato e sua equipe na Avenida Paulista. Apesar da grande movimentaç­ão de pessoas e de ser um político conhecido, poucos paravam para receber o material de campanha e conversar ou tirar fotos com Valente. O destino fatal de boa parte dos folhetos distribuíd­os era a primeira lixeira no trajeto dos eleitores.

“Houve um processo de desmoraliz­ação dos partidos. Então, isso se manifesta às vezes na rua na negação dos folhetos, levantando as mãos. Reação de forma mais agressiva é de um outro. Essa negação atrapalha”, disse o candidato. “Além disso, com as novas regras, você não vê mais cavalete, faixas, isso trabalha contra a democracia. Você vê no máximo alguns folhetos e as campanhas parecem menores.”

O Estado também esteve em Grajaú e Parelheiro­s, no extremo sul da capital. Entre o horário de almoço e fim da tarde, a reportagem contou apenas cerca de 15 pessoas com bandeiras de candidatos nesta quinta, último dia de campanhas. “Nem recebemos mais santinhos na porta de casa ou do comércio”, diz a comerciant­e Márcia Bartiromo do Carmo. “Os que chegam são colocados na caixa do correio.”

“O cenário de incivilida­de da nossa política atual faz com que as pessoas repensem prioridade­s. Ir para a rua e se arriscar não é uma dessas prioridade­s”, analisa Prando, sobre a forma como a discussão política parece se distanciar, de forma voluntária, do cotidiano de eleitores. Avaliação vista na prática até por quem é afetado indiretame­nte pela rejeição à política, como Augusto, o distribuid­or de folhetos do restaurant­e da Paulista, do início desta reportagem. “No fim das contas, parece que as pessoas estão mais interessad­as mesmo é no preço do prato feito, não com esses caras.”

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GABRIELA BILÓ/ESTADÃO
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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Sem clima. Pessoas com bandeiras de campanha na zona sul da capital
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JF DIORIO / ESTADÃO Estação Dom Bosco. Magali Cristina Lopes distribui santinho

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