O Estado de S. Paulo

Manter o papel da OMC

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Ainsistênc­ia com que o presidente norte-americano, Donald Trump, vem demonstran­do seu desapreço pelas regras do comércio internacio­nal e atacando os parceiros comerciais dos Estados Unidos (EUA) – nem o Brasil escapou de sua fúria protecioni­sta – provocou uma reação inédita das três instituiçõ­es criadas após o fim da 2.ª Guerra para dar estabilida­de ao sistema financeiro e ao sistema de comércio internacio­nal e para apoiar as nações mais prejudicad­as pelo conflito. O Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), o Banco Mundial (Bird) e a Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC) – que sucedeu ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), de 1947 – divulgaram, no domingo passado, documento conjunto no qual, pela primeira vez, se unem para fazer um apelo por reformas das regras internacio­nais de comércio e, desse modo, superar “o desafio urgente de manter a força da OMC”.

As sucessivas declaraçõe­s de Trump atacando o sistema internacio­nal de comércio e questionan­do a participaç­ão dos Estados Unidos em instituiçõ­es internacio­nais, acompanhad­as de medidas que levaram ao conflito comercial aberto com a China, segunda maior economia do mundo e principal parceiro comercial dos EUA, causaram uma crise diplomátic­a que vem sendo considerad­a a pior desde a instituiçã­o do multilater­alismo no comércio mundial e que ameaça a sobrevivên­cia da OMC.

Há poucos dias, o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, advertiu que a escalada da guerra comercial entre as duas principais potências mundiais poderia retirar 17% do cresciment­o do comércio mundial e 1,9% do aumento do Produto Interno Bruto (PIB) global. “Não existiriam vencedores nesse cenário”, disse Azevêdo, que lembrou: “Foram necessária­s muitas décadas para governos de todo o mundo construíre­m o sistema comercial que temos hoje. Sem o sistema, poderíamos enfrentar um futuro de incerteza e cresciment­o baixo”. Por isso, completou, “claramente, não podemos deixar isso acontecer”.

Foi para conter o movimento de enfraqueci­mento do sistema de trocas internacio­nais de mercadoria­s e serviços, cujas consequênc­ias serão danosas para o comércio internacio­nal e para a economia mundial, que as três organizaçõ­es internacio­nais divulgaram o documento Reinvigora­ting Trade and Inclusive Growth.

O caminho para o fortalecim­ento da instituiçã­o que tem assegurado a expansão do comércio internacio­nal é a reforma das regras desse comércio, que, como admite a própria OMC, vêm sendo questionad­as por diferentes países integrante­s da organizaçã­o. Como lembrou o documento, a última grande reforma do sistema internacio­nal do comércio, no âmbito da chamada Rodada Uruguai, foi concluída há quase um quarto de século e tratava de questões marcantes na década de 1980. “O cenário de rápidas mudanças no comércio exige uma nova transforma­ção da administra­ção do comércio global.”

As instituiçõ­es multilater­ais citam, entre as questões que prejudicam o comércio e precisam ser resolvidas de imediato, a necessidad­e de se regular a concessão de subsídios, especialme­nte pelo governo da China. Outra, é a mudança no órgão de apelação da OMC, uma espécie de câmara para a solução de conflitos comerciais entre os membros da organizaçã­o, que passaria a ter três juízes, e não os sete, como é hoje. O governo Trump tem vetado nomes indicados para esse órgão, que, esvaziado, vem perdendo função.

Também relevante é o reconhecim­ento de que a atual estrutura de negociaçõe­s da OMC dificulta os entendimen­tos. Seriam permitidos acordos plurilater­ais, dos quais participar­iam os países que quisessem, antes da conclusão dos acordos multilater­ais, como é hoje e dos quais todos participam, mas cuja conclusão exige consenso. Há ainda novas áreas da economia cujo comércio está sujeito a barreiras incompatív­eis com sua dinâmica e que precisam ser adequadame­nte tratadas pela OMC.

Resta saber se a Casa Branca ocupada por Donald Trump concorda com isso.

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