O Estado de S. Paulo

Rastro de espionagem

- TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO /

Orecibo foi para uma corrida de táxi em 10 de abril para o aeroporto Sheremetye­vo, em Moscou. O endereço era Nesvizhski­y Pereulok, adjacente à sede do GRU, serviço de inteligênc­ia da Rússia. O sobrenome do passageiro: Morenets. Três dias depois, quando um homem identifica­do como Aleksei Morenets foi preso em Haia por agentes de contraespi­onagem a Holanda (MIVD), ele ainda tinha o recibo. Talvez, especulara­m os holandeses, ele precisasse cobrar suas despesas.

O recibo foi uma das dezenas de provas que o MIVD apresentou, expondo uma trama bizarra de quatro agentes do GRU que, segundo o comunicado, foi interrompi­da em abril. Os agentes, que estavam sob vigilância desde que chegaram à Holanda, queriam realizar um ataque cibernétic­o à sede da Organizaçã­o para a Proibição de Armas Químicas (Opaq).

Na época, a organizaçã­o estava estudando amostras do agente químico usado na tentativa de assassinat­o de Serguei Skripal, um agente duplo russo, na Grã-Bretanha. Um laptop confiscado revelou que ao menos um dos homens esteve envolvido em tentativas de interferir na investigaç­ão sobre o avião da Malaysia Airlines, abatido por russos na Ucrânia. Infelizmen­te, a Holanda decidiu deportar os homens, embora

tenham confiscado seus equipament­os. Eles estavam viajando com passaporte­s oficiais, portanto, os holandeses podem ter calculado que o preço diplomátic­o de deter o grupo seria alto demais.

As revelações fizeram parte de um esforço cuidadosam­ente coordenado entre Grã-Bretanha, EUA e Canadá. O Centro Nacional de Segurança Cibernétic­a da Grã-Bretanha (NCSC) divulgou um relatório detalhando vários dos recentes esforços de hackers do GRU, incluindo ataques cibernétic­os à Agência Mundial Antidoping, em Montreal, à infraestru­tura de transporte na Ucrânia e a uma estação de TV na GrãBretanh­a.

O Departamen­to de Justiça dos EUA anunciou a mais enérgica de todas as respostas: indiciamen­tos de sete russos, incluindo três dos agentes do GRU que os holandeses haviam capturado. Além das acusações relacionad­as à Opaq, autoridade­s americanas e canadenses

acusaram a Rússia de invadir agências antidoping em todo o mundo, roubando dados de testes de atletas e lançando registros de seu uso de drogas (permitidas) nas mídias sociais. O objetivo era criar uma impressão enganosa de doping generaliza­do, aparenteme­nte para livrar a Rússia, que organizou um programa de doping sem precedente­s durante os Jogos de Inverno de 2014.

Finalmente, os americanos acusaram a Rússia de executar operações de “phishing”, na tentativa de se infiltrar nos sistemas da Westinghou­se, uma empresa de energia nuclear com sede em Pittsburgh. A Westinghou­se forneceu combustíve­l nuclear à Ucrânia, após a Rússia cortar o fornecimen­to de urânio.

Scott Brady, promotor federal da Pensilvâni­a, disse que os hackers envolvidos foram, em alguns casos, os mesmos que invadiram os servidores do Comitê Nacional Democrata durante

a campanha de 2016. Eles serão acusados de conspiraçã­o criminosa, assim como de lavagem de dinheiro – neste caso, usaram moedas criptográf­icas para comprar ferramenta­s de pirataria online.

Esta não é a primeira vez que os EUA indiciam funcionári­os do governo russo e agentes de inteligênc­ia. Uma longa lista de agentes, oligarcas e pessoas próximas a Vladimir Putin já enfrentam acusações. A teoria é que “nomear e constrange­r” tais malfeitore­s provocará uma dissuasão, impedindo-os de viajar ao Ocidente e usar suas redes financeira­s, assim como lutar contra os esforços russos de desinforma­ção.

© 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil