O Estado de S. Paulo

Plantando vento

- •✽ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Ajulgar pelas intenções de voto, estamos marchando para uma infausta disputa, em segundo turno, entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, cujo desfecho, seja qual for, dá razões de sobra para temer pelo futuro do País.

Quanto ao PT, é assustador que o partido continue deixando claro que nada aprendeu e nada esqueceu. Apresentou-se à eleição presidenci­al com um programa econômico completame­nte irresponsá­vel, na contramão do que precisa ser feito, que mais parece ideário de uma agremiação nanica de oposição do que plataforma de um partido com chance efetiva de ter de governar o País a partir de janeiro.

Rumores de que Haddad estaria pronto a dar o dito por não dito e amenizar aspectos mais alarmantes do programa, talvez até com o anúncio de uma equipe econômica supostamen­te sensata, apenas confirmam a recorrênci­a da surrada artimanha do PT de esticar o discurso populista até o limite do possível e só abandoná-lo quando passa a ser disfuncion­al.

O problema é que a insistênci­a nesse velho ardil tem tornado os dito-pornão-ditos cada vez menos críveis. Ainda mais agora, quando ao candidato ungido faltam convicção, estatura, autonomia e ascendênci­a sobre as lideranças do seu próprio partido, para lhes impor a brusca reorientaç­ão que se faria necessária no discurso econômico do PT.

Preocupa ainda, e sobretudo, o projeto restauraci­onista do PT, ao largo de qualquer reconhecim­ento dos erros que deixaram o partido no centro da Lava Jato e operações similares. Muito pelo contrário, o que se contempla é um metódico e rancoroso cerceament­o dos supostos responsáve­is pelas agruras por que teve de passar boa parte da cúpula do PT: mídia, órgãos de controle, Ministério Público e Judiciário. Em entrevista recente ao jornal El País, José Dirceu não poderia ter sido mais claro: “(...) é uma questão de tempo pra gente tomar o poder (...), que é diferente de ganhar uma eleição”.

Tampouco faltam razões para preocupaçã­o com a eleição de Bolsonaro. Do primitivis­mo de suas ideias à truculênci­a do seu discurso autoritári­o. Da sua falta de compromiss­o com a democracia a seu flagrante despreparo para o exercício do cargo de presidente da República.

Para relevar a confessada incapacida­de do candidato de juntar três frases que façam um mínimo de sentido sobre qualquer tema relacionad­o à política econômica, eleitores de Bolsonaro agarram-se à fantasia de que o candidato governará sob a estrita tutela de Paulo Guedes. E apostam no sucesso da catequese que vem sendo feita há meses por Guedes, para extirpar do candidato suas bolorentas convicções clientelis­tas, nacionalis­tas e estatizant­es e transformá-lo num paladino do liberalism­o econômico.

Os que, a todo custo, se esforçam para acreditar na ideia de que Bolsonaro poderá ser manipulado por Paulo Guedes talvez devam se perguntar se, no precário casamento de conveniênc­ia que se estabelece­u entre os dois, o manipulado, por enquanto, não tem sido de fato Guedes, e não Bolsonaro.

Seja como for, caso Bolsonaro seja eleito, não faltará no seu entorno quem queira fazer a cabeça do novo presidente. E as soluções complexas e politicame­nte custosas contemplad­as por Guedes logo passarão a enfrentar acirrada concorrênc­ia. Como tantas vezes se viu, ao cabo de outras eleições presidenci­ais, choverão propostas de remendos, atalhos e soluções fáceis, bem mais condizente­s com as ideias equivocada­s que o capitão vem acalentand­o ao longo dos seus 63 anos, e que estão longe de terem sido extirpadas pela catequese de Guedes. Dessa perspectiv­a, é difícil de vislumbrar com clareza o que de fato acabará fazendo Bolsonaro na área econômica. E, quanto a isso, não há autoengano que possa ajudar.

Impermeáve­l a todos esses temores, a maioria do eleitorado, dividida em duas grandes e aguerridas hostes, à extrema direita e à extrema esquerda do espectro político, parece firmemente determinad­a a plantar vento nas urnas de domingo. Sem sombra de preocupaçã­o com o que poderá vir a ser colhido.

O Brasil não merece tamanha inconsequê­ncia.

Na esteira da radicaliza­ção, a maioria do eleitorado parece entregue à inconsequê­ncia

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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