O Estado de S. Paulo

Bloco afro Ilê Aiyê em mostra

Mostra homenageia o Ilê Aiyê, que enfrentou racismo e colocou o negro sob os holofotes do carnaval baiano

- João Abel ESPECIAL PARA O ESTADO

‘Ocupação’ conta a história do grupo que completa 45 anos

Quem ouve os versos de Um Canto de Afoxé para o Bloco do Ilê, de Caetano Veloso, ouve também uma reverência ao primeiro bloco afro do Brasil: o Ilê Aiyê. Símbolo da resistênci­a negra em Salvador, o grupo completa 45 anos no carnaval de 2019. Mas as comemoraçõ­es começaram já na quarta, 3, com a abertura da Ocupação Ilê Aiyê, no Itaú Cultural, mostra que conta a história do movimento.

O convite à imersão na memória do Ilê se dá logo na fachada do prédio, que ganhou uma pintura especial. “A produção foi feita pelo grafiteiro Brisola e segue a identidade visual do artista baiano J. Cunha, com as cores do Ilê: preto, amarelo, vermelho e branco”, explica Vinícius Murilo, integrante da equipe de curadoria da mostra.

Ao entrar no edifício, o visitante se depara com o início da ocupação, que toma conta do térreo e se divide em quatro eixos. O primeiro deles tem como fundo musical a canção Ilê de Luz, cantada a capela por Luedji Luna, e fotos de moradores da Liberdade, bairro de Salvador com uma das maiores concentraç­ões de negros no País e sede do bloco. Entre os rostos, uma figura-chave: Antonio Carlos dos Santos, o Vovô, criador do grupo nos anos 1970.

“Naquela época, os negros estavam limitados a carregar instrument­os ou alegorias nos blocos. Era um carnaval mais elitizado e branco”, detalha o fundador do Ilê Aiyê. Ao lado de sua mãe, Hilda dos Santos, e de um grupo de amigos, surgiu a ideia de criar um bloco com protagonis­mo da matriz africana.

A escolha do nome foi feita em votação com os primeiros membros do grupo – cerca de 100 pessoas. “A princípio, eu preferia algo que remetesse ao black power (poder negro), mas Ilê Aiyê era mais sonoro, mais musical, e acabou pegando.” No dialeto nigero-congolês, ‘ilê’ significa ‘casa’ e ‘aiyê’ quer dizer ‘terra’ ou o ‘mundo terreno’. Na tradução da fundadora Mãe Hilda: “A casa de todos”.

O cresciment­o exponencia­l do bloco não veio sem repressão e preconceit­o racial. “Muitas pessoas nos chamavam de ‘falsos africanos’ e jornais chegaram a dizer que éramos racistas, por excluir brancos”, comenta Vovô. O Ilê resistiu e ajudou a contar a história afro sob a ótica do próprio negro. “Um ano depois, já surgiram blocos parecidos”, acrescenta.

Não demorou para que o movimento ganhasse visibilida­de e atraísse a atenção de nomes da música baiana, como Margareth Menezes e Daniela Mercury. As cantoras gravaram depoimento­s que estão no segundo eixo da exposição. No espaço seguinte, uma linha do tempo retrata os 44 temas de carnavais do bloco, que tem quase 3 mil associados e já se apresentou em mais de 20 países.

Na sala interativa do último núcleo, uma projeção do mestre Kehindê Boa Morte explica a sonoridade de quatro tipos de tambores (caixa, repique, surdo e martelo) e ensina a tocálos em instrument­os à disposição do público.

Quem quiser ver de perto os músicos do Ilê pode conferir apresentaç­ões no Auditório Ibirapuera por R$ 30. Nesta sexta, 5, com os blocos Ilú Obá De Min e Ilú Inã, e no sábado, 6, com as cantoras Luedji Luna e Xenia França. “O Ilê me influencio­u tanto musicalmen­te como no empoderame­nto. É um dos maiores símbolos da cultura negra e merece ser homenagead­o. Eu realizo um sonho ao estar no palco com eles”, define Xenia.

A invisibili­dade cultural do negro se transformo­u em protagonis­mo e orgulho preto com o Ilê Aiyê” Xenia França

CANTORA

 ?? ANDRÉ SEITI ?? Identidade. Tecidos e peças de vestuário fazem parte da exposição sobre o bloco
ANDRÉ SEITI Identidade. Tecidos e peças de vestuário fazem parte da exposição sobre o bloco

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil