O Estado de S. Paulo

Herson Capri e Genézio de Barros lutam por amizade

‘As Brasas’, do autor Sándor Márai, retrata o reencontro, nem sempre amistoso, de conhecidos de longa data

- Leandro Nunes

Na sala de um casarão, dois senhores estão reunidos. Após uma ventania, um raio danifica a central elétrica do local. Este é o ambiente mais que teatral de As Brasas, romance do escritor húngaro Sándor Márai, recém-descoberto no Brasil.

A montagem em cartaz no Sesc Santana traz os atores Herson Capri e Genézio de Barros no papel de Henrik e Konrad, amigos desde a infância, que se reencontra­m após 41 anos. Na obra, os dois velhos militares estão no casarão escuro iluminados pelas velas dos candelabro­s e pelas brasas da lareira, que resistiram a noite inteira e estão quase virando cinzas. No passado, os homens se conheceram numa escola militar e tornaram-se amigos inseparáve­is. Eles não se veem desde que Konrad desaparece­u após uma caçada na floresta nos arredores do castelo de Henrik, em 1899, na Hungria. “Quando li o texto, reconheci sua forte vocação teatral, colocando esses homens para revisarem suas histórias confinados em um ambiente”, conta Duca Rachid, responsáve­l pela adaptação para o palco, ao lado de Julio Fischer. “Eles viviam em um império e o contexto é de uma amizade que ultrapassa duas guerras. Como naquela época, os conflitos tendem a tornar as coisas decadentes e o valor da amizade é debatido como uma força capaz de ultrapassa­r as diferenças.”

Marái nasceu na cidade de Kassa, e é autor de 46 livros, entre romances e poesia. Grande parte de sua produção foi banida de seu país, por 40 anos. O inconformi­smo do autor o levou ao exílio. Ele morou na Suíça, França, Itália até se fixar na Califórnia. Lá, atirou na própria cabeça, aos 89 anos, às vésperas da derrocada do comunismo europeu. Além de As Brasas, publicado pela Companhia das Letras, em 1999, outros nove títulos do autor já foram lançados no Brasil.

Diante de um escritor que hoje é reconhecid­o por seu país, a história da dupla de militares da peça guarda um segredo que remonta ao dia da caçada, e que movimenta toda a trama. Seu nome é Kriztina, mulher do general Henrik e amiga de infância de Konrad. “Além da questão da amizade e do amor, do erotismo, existem narrativas sobre a finitude, e dos caminhos que a vida toma, muitos sem que a gente se dê conta”, lembra Duca. “Os homens projetam suas imperfeiçõ­es, e tudo que ainda não conseguira­m entender, na musa.” Mesmo assim, Genézio conta que a trama não trata do drama de uma traição. “Há um código nessa amizade que entende a amizade como um laço de sangue.”

Ele acrescenta que a dupla está diante de conflitos em várias frentes. “A aristocrac­ia da época está se desmantela­ndo. O personagem de Capri foi criado nesse ambiente, que formou sua identidade e valores.”

Na encenação de Pedro Brício, a música tem trilha sonora ao vivo executada pela violonceli­sta Nana Carneiro que também diz as falas femininas do texto.

A estreia de Duca nos palcos incentivou a novelista a pensar novas propostas para o teatro. “Fiquei entusiasma­da. É tudo muito diferente da novela e de projetos concebidos na televisão.” Em 2005, ela e Fischer escreveram a temporada de Sítio do Picapau Amarelo, a primeira versão escrita em formato de novela. Agora, ela está na fase de produção da novela das seis Filhos da Terra, que estreia na TV Globo em março do ano que vem, em parceria com Thelma Guedes. Juntas elas já assinaram as novelas Cama de Gato, Cordel Encantado, Joia Rara e Ligações Perigosas. “Agora estamos na escolha do elenco, pensando na trilha sonora. Logo mais será dedicação total.”

Genézio também festeja a temporada de Monstro, solo inspirado no conto de Sérgio Sant’Anna que fez temporada no Teatro Vivo. A trama retrata a vida de um filósofo com hábitos comuns à primeira vista. Ele namora uma executiva e, juntos, são seduzidos por uma jovem. O espetáculo deve voltar em cartaz, ainda sem data confirmada. “Monstro é daqueles espetáculo­s que o artista pode guardar no bolso e levar para onde quiser.”

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CAIO GALLUCI Militares. Personagen­s de Herson Capri e Genézio de Barros reveem os conflitos passados

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