O Estado de S. Paulo

A CAMPANHA SOLITÁRIA DO ‘PARA-RAIO’ REBELDE

Ex-titular da Fazenda, Meirelles entra em cena após racha do centro, mas não defende Temer

- Vera Rosa / COLABOROU ADRIANA FERNANDES

Aseparação amigável ocorreu no fim de agosto, mas quase ninguém notou. Sem alarde, o candidato do MDB à Presidênci­a, Henrique Meirelles, transferiu o QG de sua campanha para São Paulo e ali gravou os programas eleitorais de TV. Ficou a 1.010 quilômetro­s do Palácio do Planalto, em Brasília, mas a distância do presidente Michel Temer não foi somente geográfica. Lançado em 2 de agosto como o nome do MDB para a disputa ao Planalto, o ex-ministro da Fazenda é um dos sobreviven­tes do racha da coalizão que sustentou Temer após o impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Foi abandonado pelo MDB na campanha, mas também não defendeu o “legado” de Temer, campeão no quesito impopulari­dade, provocando revolta no Planalto. “Não sou para-raio de ninguém”, disse Meirelles ao Estado, ainda em agosto, quando o Centrão comemorava sua entrada na arena eleitoral. À época, o diagnóstic­o do bloco formado por DEM, PP, PR, PRB e Solidaried­ade – partidos que dividem cargos na Esplanada – era o de que o ex-chefe da equipe econômica atuaria como um escudo para proteger Temer das intempérie­s. Ao responder a todos os ataques, livraria o Centrão dessa tarefa. Não foi o que aconteceu. “O governo se transformo­u em um fio desencapad­o, que queima os aliados”, resumiu o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, presidente do Solidaried­ade. Diante desse cenário, mesmo antes de fechar acordo para apoiar o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, o Centrão também já se empenhava para ficar a léguas de Temer. Pesquisas encomendad­as pelo DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, indicavam que o caminho para crescer era ser oposição. “Quem inventou o Meirelles na área econômica não foi o Temer. Foi o Lula”, insistia o presidente do MDB, senador Romero Jucá (RR), ao lembrar que o ex-ministro havia comandado o Banco Central na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso da Lava Jato. A tentativa de impulsiona­r Meirelles como outsider na política também não vingou e hoje ele chega à eleição ao lado dos “nanicos”. Para vestir o figurino de candidato, embalado pelo mote “Chama o Meirelles”, o ex-titular da Fazenda fez aulas de dicção, saiu do PSD do ministro Gilberto Kassab – que se aliou a Alckmin – e gastou R$ 45 milhões do próprio bolso na campanha. Com a estratégia, liberou o MDB para repartir o Fundo Eleitoral com postulante­s à Câmara, ao Senado e aos governos estaduais. Aos 73 anos, 33 dos quais na iniciativa privada, Meirelles diz, porém, que não se arrepende de nada. “Vamos em frente. Eu gosto é de apresentar resultado”, costumarep­etir, sempre que confronta- do com algum percalço. “O Brasil vai para cá, vai para lá, vai para cima ou para baixo? Ninguém sabe porque as propostas que estão aí são radicais. A solução vem daconfianç­a e eu sou ficha limpa”, emenda ele, citando oex-presidente Juscelino Kubitschek como modelo.

Naufrágio. Nos bastidores, o Planalto bem que tentou, sem sucesso, construir uma candidatur­a única de centro para se contrapor a Jair Bolsonaro (PSL) e ao PT – naquela ocasião, não se sabia quem seria o concorrent­e petista. Alvo de investigaç­ões e cada vez mais isolado, o próprio Temer ensaiou alguns passos na direção da disputa por um segundo mandato, mas recuou. A portas fechadas, Jucá também sondou o então prefeito João Doria, hoje candidato do PSDB ao governo de São Paulo. A proposta, com aval de Temer e do ex-presidente do PSDB, senador Aécio Neves, era para que Doria concorress­e à Presidênci­a, tendo Meirelles de vice. Por esse plano, Alckmin sairia ao Senado. Doria, porém, não conseguiu levar a ideia adiante no PSDB. Atingido pela delação do empresário Joesley Batista à Lava Jato, Aécio não teve forças para a articulaçã­o política. Rodrigo Maia chegou a combinar a filiação de Meirelles ao DEM, mas desfez o acerto antes mesmo do naufrágio da reforma da Previdênci­a. Maia lançou sua própria candidatur­a ao Planalto, retirandos­e do páreo meses depois para, a contragost­o, apoiar Alckmin. No feriado de 1.º de maio, o expresiden­te Fernando Henrique Cardoso fez uma visita a Temer, em São Paulo. O anfitrião pregou a unidade dos antigos parceiros e previu um vexame nas urnas para o centro, se nada fosse feito. A pedido de FHC, Alckmin telefonou para Temer em seguida e acenou com a possibilid­ade de um encontro, que nunca ocorreu. Em 18 de julho, um jantar em Brasília regado a vinho tinto, tendo costela assada como prato principal, selou a aliança do Centrão com Alckmin. No momento de maior impasse sobre a escolha do candidato, o bloco quase implodiu. De olho no respaldo de evangélico­s da Igreja Universal do Reino de Deus, Meirelles fez de tudo para tirar o PRB do Centrão. Ofereceu a vaga de vice ao empresário Flávio Rocha (PRB), mas o partido preferiu se unir a Alckmin. Nessa briga pela sobrevivên­cia, a coalizão que levou Temer ao poder se desmanchou. E ninguém mais chamou Meirelles.

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FOTOS: GABRIELA BILÓ / ESTADÃO

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