O Estado de S. Paulo

Uma escolha muito difícil

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Acampanha, que deveria servir para iluminar um pouco mais as propostas em jogo, provavelme­nte servirá para aumentar os antagonism­os, as indefiniçõ­es e as confusões que garantiram a passagem de Bolsonaro e Haddad para o segundo turno. Resta esperar que eleitores e candidatos entendam, em algum momento, que não é possível governar com base no rancor.

O segundo turno da eleição presidenci­al vai opor duas candidatur­as que se nutriram dos antagonism­os que hoje parecem predominar na sociedade brasileira, à esquerda e à direita. Pela primeira vez desde a redemocrat­ização do País, não haverá um candidato de centro na etapa final da disputa – ou seja, o eleitor, que tradiciona­lmente privilegio­u a moderação, a despeito do calor das campanhas, optou pelos extremos, denotando seu fastio com a política tradiciona­l depois de anos de sucessivos escândalos.

De um lado, o direitista Jair Bolsonaro (PSL), o truculento apologista da ditadura militar; de outro, o esquerdist­a Fernando Haddad (PT), o preposto de um presidiári­o. Não será nada fácil para o eleitor decidir-se entre um e outro.

No caso de Bolsonaro, mesmo o mais bem informado eleitor terá dificuldad­e em saber quais são suas propostas para tirar o País da rota do iminente desastre fiscal. Nas poucas vezes em que foi questionad­o sobre o assunto durante a campanha, em entrevista­s ou debates, o ex-capitão gaguejou, apelou para frases feitas, com pouco sentido, e, por fim, acabou admitindo que é absolutame­nte ignorante em economia, indicando o economista Paulo Guedes, seu assessor na área, para responder por ele.

Mesmo Paulo Guedes, porém, foi bastante vago sobre os planos de governo, que mencionam genericame­nte um feroz plano de privatizaç­ões e a redução do tamanho do Estado. Quando Paulo Guedes inadvertid­amente citou a possibilid­ade de ressuscita­r a CPMF – o famigerado imposto do cheque –, foi prontament­e desautoriz­ado por Bolsonaro, que lhe ordenou silêncio absoluto até o final da campanha.

Com menos de dez segundos de propaganda eleitoral gratuita e ausente da maioria dos debates – por vontade própria e, depois, por ter sido vítima de um ataque a faca –, Bolsonaro investiu tudo nas redes sociais, ambiente normalment­e interditad­o ao contraditó­rio e propício ao discurso do ódio. Quem sabe agora, com tempo de TV igual ao de seu adversário e já recuperado da facada, Bolsonaro esteja mais disponível para submeter suas ideias, se é que ele as tem, ao escrutínio público.

Já as propostas do campo lulopetist­a são bem conhecidas de todos, pois foram essas ideias que lograram mergulhar o País numa profunda crise econômica, política e moral. Como não pôde se candidatar pela sexta vez à Presidênci­a, por ter sido pilhado em grossas malfeitori­as com dinheiro público, Lula da Silva viu-se obrigado a encontrar um regra-três. A escolha recaiu sobre Fernando Haddad, que docilmente cumpre o papel de portavoz daquele presidiári­o, num aviltament­o grosseiro do processo eleitoral. Todos os movimentos da campanha são planejados de dentro da cela de Lula da Silva na Polícia Federal em Curitiba – e até o programa de governo apresentad­o por Haddad se chama “Programa Lula”.

Nesse conjunto de propostas está clara a disposição de fazer terra arrasada de tudo o que foi realizado até aqui pelo atual governo para estancar a crise gerada pela irresponsa­bilidade lulopetist­a, a começar pelo teto de gastos. Fala-se ainda em desfazer privatizaç­ões, restaurar o regime de exploração do petróleo que arruinou a Petrobrás e acabar com a reforma trabalhist­a, entre outras barbaridad­es. Tudo devidament­e acompanhad­o da promessa – melhor seria dizer ameaça – de fazer “uma verdadeira refundação democrátic­a do Brasil para recuperar a soberania nacional e popular”.

Como se vê, o eleitor estará diante de uma escolha muito difícil, e a campanha, que deveria servir para iluminar um pouco mais as propostas em jogo, provavelme­nte servirá para aumentar ainda mais os antagonism­os, as indefiniçõ­es e as confusões que, afinal, garantiram a passagem de Bolsonaro e Haddad para o segundo turno.

Resta esperar que eleitores e candidatos entendam, em algum momento, que não é possível governar com base no rancor. A escolha precisa recair naquele candidato que se dispuser a alcançar alguma forma de compromiss­o mínimo, com todas as principais forças políticas, para garantir a governabil­idade e a estabilida­de. Isso não significa lotear o governo pelo maior preço, mas privilegia­r apoios consubstan­ciados em honestidad­e, decência e competênci­a. E a permanente lembrança de que quem se eleger governará todo o País, e não apenas sua patota.

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