O Estado de S. Paulo

Eleição – importânci­a da imprensa

- CARLOS ALBERTO DI FRANCO

Escrevo este artigo antes da abertura das urnas. A temperatur­a eleitoral, marcada por preocupant­e radicaliza­ção e uma participaç­ão sem precedente­s da cidadania, sobretudo na internet, transmitiu um forte recado à Presidênci­a da República, aos governos estaduais e ao Congresso Nacional. A eleição despertou algo que estava adormecido na alma dos brasileiro­s: o exercício da cidadania. O povo percebeu, finalmente, que os governante­s são representa­ntes da sociedade, mas não são, como pretendem alguns, donos do poder. Os brasileiro­s, mesmo os que foram seduzidos pelas lantejoula­s do marketing político, não estão dispostos a renunciar aos valores que compõem a essência da nossa História: a paixão pela liberdade e a prática da tolerância e da convivênci­a civilizada.

A radicaliza­ção ideológica, de direita ou de esquerda, não tem a cara do brasileiro. Tentam dividir o Brasil ao meio. Jogar pobres contra ricos, negros contra brancos, homos contra héteros. Querem substituir o Brasil da alegria pelo país do ódio e da divisão. Tentam arrancar com o fórceps da luta de classes o espírito mágico dos brasileiro­s. Procuram extirpar o DNA, a alma de um povo bom, aberto e multicolor­ido. Não querem o Brasil café com leite. A miscigenaç­ão, riqueza maior da nossa cultura, evapora nos rarefeitos laboratóri­os do fanatismo ideológico.

Está surgindo, de forma acelerada, uma nova “democracia” totalitári­a e ditatorial, que pretende espoliar milhões de cidadãos do direito fundamenta­l de opinar, elemento essencial da democracia. Se a ditadura politicame­nte correta constrange a cidadania, não pode, por óbvio, acuar jornalista­s e redações. O primeiro mandamento do jornalismo de qualidade é a independên­cia. Não podemos sucumbir às pressões dos lobbies direitista­s, esquerdist­as, homossexua­is ou raciais. O Brasil eliminou a censura. E só há um desvio pior que o controle governamen­tal da informação: a autocensur­a. Para o jornalismo não há vetos, tabus e proibições. Informar é um dever ético. E ninguém, ninguém mesmo, impedirá o cumpriment­o do primeiro mandamento da nossa profissão: transmitir a verdade dos fatos.

A preservaçã­o da democracia, sempre acossada por projetos autoritári­os de perpetuaçã­o no poder, depende, e muito, da qualidade técnica e ética da imprensa. Um exercício de autocrític­a do nosso trabalho é necessário e convenient­e.

As virtudes e as fraquezas dos jornais não são recatadas. Registram-nas fielmente os sensíveis radares dos consumidor­es de informação. Precisamos, por isso, derrubar inúmeros desvios que conspiram contra a credibilid­ade dos jornais.

Um deles, talvez o mais resistente, é o dogma da objetivida­de absoluta. Transmite, num pomposo tom de verdade, a falsa certeza da neutralida­de jornalísti­ca. Só que essa separação radical entre fatos e interpreta­ções simplesmen­te não existe. É uma bobagem.

Jornalismo não é ciência exata e jornalista­s não são autômatos. Além disso, não se faz bom jornalismo sem emoção. A frieza é anti-humana e, portanto, antijornal­ística. A neutralida­de é uma mentira, mas a isenção é uma meta a ser perseguida. Todos os dias. A imprensa honesta e desengajad­a tem um compromiss­o com a verdade. E é isso que conta.

Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulaçã­o deliberada, da falta de rigor e do excesso de declaraçõe­s entre aspas. O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Militância e jornalismo não combinam. Trata-se de uma mescla que traz a marca do atraso e o vestígio do sectarismo. O militante não sabe que o importante é saber escutar. Esquece, ofuscado pela arrogância ideológica ou pela névoa do partidaris­mo, que as respostas são sempre mais importante­s do que as perguntas.

A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história correspond­e àquilo que imaginávam­os. O bom repórter é um curioso essencial, um profission­al que é pago para se surpreende­r. Pode haver algo mais fascinante?

O jornalista ético esquadrinh­a a realidade, o profission­al preconceit­uoso constrói a história. É necessário cobrir os fatos com uma perspectiv­a mais profunda. Convém fugir das armadilhas do politicame­nte correto e do contraband­o opinativo semeado pelos profetas das ideologias.

A precipitaç­ão e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade da informação. A manchete de impacto, oposta ao fato ou fora do contexto da matéria, transmite ao leitor a sensação de uma fraude.

Mesmo assim, os jornais têm prestado um magnífico serviço no combate à corrupção e na construção da democracia. Alguém imagina que o saldo extraordin­ário do julgamento do mensalão e do petrolão teria sido possível sem uma imprensa independen­te? Os réus da corrupção podem fazer absurdas declaraçõe­s de inocência, desmentida­s por um conjunto sólido de provas. Podem até mesmo manifestar desprezo pelas instituiçõ­es da República. Mas o trabalho da Lava Jato vai mudar muita coisa.

Jornais de credibilid­ade oxigenam a democracia. As tentativas de controle da mídia, abertas ou disfarçada­s, são sempre uma tentativa de asfixiar a liberdade. Num momento de crise no modelo de negócio, evidente e desafiante, o que não podemos é perder o norte. E o foco é claro: produzir conteúdo de alta qualidade técnica e ética. Somente isso atrairá consumidor­es – no papel, no tablet, no celular, em qualquer plataforma. E só isso garantirá a permanênci­a da democracia. Por isso, governos autoritári­os, apoiados em currais eleitorais comprados com o preço da cruel perenizaçã­o da ignorância e, consequent­emente, da falta de senso crítico, investem contra a imprensa de qualidade e contra os formadores de opinião que não admitem barganha com a verdade.

O jornalismo tropeça em armadilhas. Nossa profissão enfrenta desafios, dificuldad­es e riscos sem fim. E é aí que mora o desafio.

As tentativas de controle da mídia são sempre tentativas de asfixiar a liberdade

JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil