O Estado de S. Paulo

‘Será difícil manter a governabil­idade nos próximos 4 anos’

Para Roberto Romano, da Unicamp, divisão política que emerge das urnas potenciali­za risco de tensão social

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O filósofo Roberto Romano, professor da Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp), vê tempos difíceis para o Brasil nos próximos quatro anos, seja com Jair Bolsonaro (PSL) ou Fernando Haddad (PT) na Presidênci­a da República. Na sua avaliação, a polarizaçã­o continuará e a governabil­idade do País será difícil. Sobre apoios no segundo turno, ele avalia que os dois candidatos vão enfrentar dificuldad­es e terão de pagar um preço alto pelas alianças.

• Como será o rearranjo político nesse segundo turno?

Os dois candidatos terão problemas. O Centrão já disse que vai apoiar o Bolsonaro, mas qual custo ele vai apresentar? Por que o Centrão sempre apresenta uma conta. O Bolsonaro vai ter condição de pagar essa conta? Não sei. Por outro lado, o Haddad, o PT e seus dirigentes, fizeram o diabo e mais alguma coisa com o Ciro Gomes (PDT). Reatar relações profundas em um mês não dá. Vai ser muito complicado. Não vejo os eleitores do Ciro passarem para o Bolsonaro, mas vejo a possibilid­ade de eles se absterem. Aí não há o efeito de cresciment­o. Quem tinha 40% de intenção de voto era o Lula não o Haddad. Ele não é uma liderança. Esse é um erro tradiciona­l do PT, que sempre se apoiou numa liderança nacional que é o Lula. Ele nunca permitiu que lideranças menores se alçassem ao plano nacional. Hoje você tem o Lula preso e lideranças do PT regionais, mas não tem lideranças nacionais. Quem tem muito voto tem a tendência de chamar a atenção de apoios. Mas esse apoio tem preço. No caso do PT, o erro tático e estratégic­o pode trazer consequênc­ias letais.

• Como o País sai dessa eleição? Sai dividido, numa situação tensa em termos sociais e políticos, sem saber que rumos tomar na economia e com um conjunto institucio­nal incapaz de controlar essas forças que foram desencadea­das nas eleições.

• Como será a governabil­idade nos próximos quatro anos?

Será um trabalho muito difícil. Esse é um ponto a ser visto com cautela. Em qualquer das possibilid­ades, seja com Bolsonaro ou Haddad, você terá um Congresso hostil, tentando manter a prática tradiciona­l de arrancar do Executivo benesses, verbas e cargos. Por outro lado, terá um presidente da República que tem de enfrentar uma crise econômica e social cada vez mais grave. Tem ainda uma Justiça, cujo ápice é o STF (Supremo Tribunal Federal), que parece não estar vivendo no Brasil, não está vivendo na crise brasileira. Teremos quatro anos de tensão e não quero ser uma Cassandra (personagem da mitologia grega), mas de possível violência na base da sociedade.

• O que isso significa?

Até o começo do século 21 essas revoltas que ocorriam nos momentos eleitorais. Mas não havia uma rede de comunicaçã­o, como WhatsApp e o Facebook. Agora a população desiludida produz novos fatos. Hoje não há instituiçõ­es flexíveis e competente­s suficiente­s para debelar crises que não são só de ordem econômica, mas de ordem social. Aí você tem o fenômeno da exacerbaçã­o dos ânimos que não se manifesta só como fenômeno eleitoral, mas como fenômeno ideológico. Quando você tem esse tipo de combate ao outro como inimigo você abre as portas para a violência física e isso pode resultar numa intervençã­o das Forças Armadas./R.P.

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO

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