O Estado de S. Paulo

Alas do PT resistem a um aceno ao centro

De perfil moderado, Haddad terá de convencer o próprio partido a dialogar com demais forças

- Vera Rosa Ricardo Galhardo

Fernando Haddad (PT) chega ao segundo turno da eleição à Presidênci­a disposto a desbastar o discurso de esquerda para atrair o centro político na disputa contra o adversário Jair Bolsonaro (PSL). Seu desafio, porém, é convencer as correntes do PT sobre a necessidad­e da mudança de tom na campanha.

Ex-prefeito de São Paulo, Haddad já protagoniz­ou vários embates no partido e tudo indica que terá de enfrentar mais um. Na prática, há divergênci­as sobre o rumo a ser adotado e os limites para uma aproximaçã­o com outras forças.

“Se ele tiver diferenças, deve discuti-las com as forças que o sustentam, que não são só partidos, mas também a CUT e o MST”, disse o secretário de Comunicaçã­o do PT, Carlos Árabe.

Para virar candidato, substituin­do na última hora o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso da Lava Jato, Haddad passou por uma espécie de “crisma”, e renovou os votos de fé na cartilha petista. Nesse roteiro, entrou para a corrente Construind­o um Novo Brasil (CNB), majoritári­a no partido.

A adesão ocorreu em junho, em um movimento sob medida para vencer resistênci­as. Antes, Haddad não integrava nenhuma ala do PT. Era, no entanto, próximo à Mensagem ao Partido , criada justamente para fazer oposição à CNB, em 2005, após o escândalo do mensalão. Naquele ano, Haddad chegou a assinar o manifesto escrito pelo ex-ministro Tarso Genro, que pregava a “refundação” do PT. O documento escancarou a crise interna e irritou Lula.

Mesmo assim, a turbulênci­a serviu como passaporte para Haddad comandar o Ministério da Educação. Em 29 de julho daquele ano, ele assumiu a cadeira no lugar de Tarso, convocado às pressas por Lula para presidir o PT, que havia tido a cúpula dizimada. “Meu filho, mas você aceitou ser ministro com o governo nessas circunstân­cias?”, indagou à época dona Norma, mãe de Haddad. “Mãe, se não fossem essas as circunstân­cias, nunca me ofereceria­m o ministério”, respondeu ele.

Limbo. Treze anos depois, se dependesse da cúpula do PT, o ex-prefeito jamais seria o nome escolhido para a disputa ao Planalto. Advogado, economista, doutor em Filosofia e professor da USP, Haddad sempre foi considerad­o um “estranho no ninho” petista, um “tucano” dentro do PT, que gosta de cultivar palavras difíceis. “Todo mundo tem um Houaiss em casa”, provoca ele, numa referência ao dicionário de Antonio Houaiss.

Foi Lula quem bancou o nome do afilhado, dobrando a aposta feita em 2012 na eleição para a Prefeitura. Derrotado na campanha pelo segundo mandato, em 2016, Haddad estava em uma espécie de limbo político e tinha ido para o fim da fila no PT. Lula, mais uma vez, o resgatou e deu a ele a coordenaçã­o do programa de governo. Se conseguiss­e ser candidato, o ex-presidente queria fazer de Haddad seu ministro da Fazenda.

Apesar do convite, inicialmen­te para ocupar a vaga de vice na chapa, Lula ainda preferia que o seu “herdeiro” fosse Jaques Wagner, considerad­o com mais traquejo político.

Filiado ao PT há 35 anos, Haddad nunca integrou a direção do partido. Começou a se aproximar mais da legenda a partir de 1987, quando foi levado pelo jornalista Eugênio Bucci, seu amigo e antecessor na presidênci­a do Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, para a revista Teoria e Debate, ligada ao PT.

“Naquela época, Haddad já não era um petista clássico”, contou o economista Paulo de Tarso Venceslau, ex-secretário de Finanças da prefeitura de São José dos Campos, que trabalhou na revista ao lado de Haddad. “Ele estava lá por convicções políticas, mas nunca foi um militante. Lembro que era muito preparado”, emendou Venceslau, que foi expulso do PT em 1997, após denunciar um esquema de corrupção no partido, conhecido como caso CPEM. Já Bucci diz que Haddad sempre teve posições moderadas. “Definitiva­mente, ele não é um radical. Não existe nada na sua biografia que o aproxime do chavismo na Venezuela.”

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO-2/10/2018 ‘Crisma’. Para substituir Lula, Haddad precisou renovar os votos de fé na cartilha petista

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