O Estado de S. Paulo

Pobreza que nos envergonha

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Trinta milhões de brasileiro­s foram retirados da pobreza nas administra­ções petistas. Lula teria sido o grande herói dessa façanha. De tanto repetida, tal afirmação virou verdade absoluta, inclusive internacio­nalmente. Mas é um engodo.

Comecemos pela conceituaç­ão de pobreza. Usava-se defini-la em função de um certo nível de renda monetária per capita. Por exemplo, o Banco Mundial classifica como linha de pobreza absoluta o valor de US$ 1,90 por dia por membro da família. Convertido pela chamada “paridade do poder de compra”, isso equivale hoje a aproximada­mente R$ 140,00 por mês. Já o Unicef (sigla em inglês de Fundo das Nações Unidas para a Infância) adota valores um pouco mais elevados e, aparenteme­nte, mais realistas: R$ 346,00 per capita por mês na zona urbana e R$ 269,00, na zona rural.

Ocorre que medir pobreza apenas com base num determinad­o nível mínimo de renda monetária mostrase cada vez menos útil. Uma família pode estar acima desse piso, mas viver numa localidade desprovida de serviços públicos essenciais, padecendo assim de várias carências. Daí a adoção, cada vez mais ampla, dos indicadore­s multidimen­sionais.

Recente estudo do Unicef, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, e utilizando um indicador multidimen­sional que engloba, além da renda monetária, o acesso a seis direitos básicos (educação, informação, água, saneamento, moradia e proteção contra o trabalho infantil), focado em crianças e adolescent­es de zero a 17 anos, mostrou situação alarmante. Em 2015, 61% viviam na pobreza, seja porque pertenciam a famílias com renda insuficien­te (pobreza monetária), seja porque não tinham acesso a um ou mais desses direitos. Com carências múltiplas (duas ou mais) foram encontrado­s 49,7% do total da amostra. Crianças com tais privações, se sobreviver­em aos riscos que a falta de habitação adequada, saneamento e saúde lhes impõe, dificilmen­te alcançarão a mobilidade social, por falta de oportunida­des. Formarão novas famílias pobres, num perverso círculo vicioso.

Essa discussão ficou ausente na campanha eleitoral, mas isso ainda pode ser corrigido a partir do instante em que o vencedor nas urnas se sentar na cadeira presidenci­al, a partir de janeiro. Seguem algumas sugestões, não exaustivas:

1) Priorizar o combate à pobreza em relação à desigualda­de. Isso não significa que a desigualda­de de renda no Brasil não seja degradante, mas a erradicaçã­o da pobreza extrema não pode mais esperar. Não há contradiçã­o entre esses objetivos. Ao combater a pobreza e igualar as oportunida­des na infância e na adolescênc­ia, haverá maior mobilidade social e, posteriorm­ente, queda das desigualda­des.

2) Utilizar a tecnologia da informação e a ampla base de dados já disponível no Brasil (Cadastro Único do Bolsa Família e Pnad) para mapear e conhecer em detalhes as carências da população e nortear e monitorar as políticas públicas.

3) Ajuste fiscal, para liberar recursos necessário­s à implantaçã­o do programa de combate à pobreza e para evitar a elevação da inflação, que corrói o salário dos mais pobres.

Medi-la apenas com base num determinad­o nível mínimo de renda monetária é cada vez menos útil

4) Estabelece­r programa de abastecime­nto de água potável e de saneamento, com metas e definição de recursos. Vale a pena conhecer o grande sucesso obtido pelo Plano Nacional de Saneamento (Planasa), nos anos 70 e 80.

5) Restringir a universida­de pública gratuita para aqueles que efetivamen­te não podem pagar por ela e utilizar os recursos liberados para os ensinos fundamenta­l e médio.

6) Orientar o foco das políticas públicas no combate à pobreza, reservando desoneraçõ­es e subsídios principalm­ente para essa finalidade.

Voltarei ao assunto, por sua importânci­a e complexida­de. O que não se pode mais é fechar os olhos para esta pobreza que nos envergonha como nação.

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