Pobreza que nos envergonha
Trinta milhões de brasileiros foram retirados da pobreza nas administrações petistas. Lula teria sido o grande herói dessa façanha. De tanto repetida, tal afirmação virou verdade absoluta, inclusive internacionalmente. Mas é um engodo.
Comecemos pela conceituação de pobreza. Usava-se defini-la em função de um certo nível de renda monetária per capita. Por exemplo, o Banco Mundial classifica como linha de pobreza absoluta o valor de US$ 1,90 por dia por membro da família. Convertido pela chamada “paridade do poder de compra”, isso equivale hoje a aproximadamente R$ 140,00 por mês. Já o Unicef (sigla em inglês de Fundo das Nações Unidas para a Infância) adota valores um pouco mais elevados e, aparentemente, mais realistas: R$ 346,00 per capita por mês na zona urbana e R$ 269,00, na zona rural.
Ocorre que medir pobreza apenas com base num determinado nível mínimo de renda monetária mostrase cada vez menos útil. Uma família pode estar acima desse piso, mas viver numa localidade desprovida de serviços públicos essenciais, padecendo assim de várias carências. Daí a adoção, cada vez mais ampla, dos indicadores multidimensionais.
Recente estudo do Unicef, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, e utilizando um indicador multidimensional que engloba, além da renda monetária, o acesso a seis direitos básicos (educação, informação, água, saneamento, moradia e proteção contra o trabalho infantil), focado em crianças e adolescentes de zero a 17 anos, mostrou situação alarmante. Em 2015, 61% viviam na pobreza, seja porque pertenciam a famílias com renda insuficiente (pobreza monetária), seja porque não tinham acesso a um ou mais desses direitos. Com carências múltiplas (duas ou mais) foram encontrados 49,7% do total da amostra. Crianças com tais privações, se sobreviverem aos riscos que a falta de habitação adequada, saneamento e saúde lhes impõe, dificilmente alcançarão a mobilidade social, por falta de oportunidades. Formarão novas famílias pobres, num perverso círculo vicioso.
Essa discussão ficou ausente na campanha eleitoral, mas isso ainda pode ser corrigido a partir do instante em que o vencedor nas urnas se sentar na cadeira presidencial, a partir de janeiro. Seguem algumas sugestões, não exaustivas:
1) Priorizar o combate à pobreza em relação à desigualdade. Isso não significa que a desigualdade de renda no Brasil não seja degradante, mas a erradicação da pobreza extrema não pode mais esperar. Não há contradição entre esses objetivos. Ao combater a pobreza e igualar as oportunidades na infância e na adolescência, haverá maior mobilidade social e, posteriormente, queda das desigualdades.
2) Utilizar a tecnologia da informação e a ampla base de dados já disponível no Brasil (Cadastro Único do Bolsa Família e Pnad) para mapear e conhecer em detalhes as carências da população e nortear e monitorar as políticas públicas.
3) Ajuste fiscal, para liberar recursos necessários à implantação do programa de combate à pobreza e para evitar a elevação da inflação, que corrói o salário dos mais pobres.
Medi-la apenas com base num determinado nível mínimo de renda monetária é cada vez menos útil
4) Estabelecer programa de abastecimento de água potável e de saneamento, com metas e definição de recursos. Vale a pena conhecer o grande sucesso obtido pelo Plano Nacional de Saneamento (Planasa), nos anos 70 e 80.
5) Restringir a universidade pública gratuita para aqueles que efetivamente não podem pagar por ela e utilizar os recursos liberados para os ensinos fundamental e médio.
6) Orientar o foco das políticas públicas no combate à pobreza, reservando desonerações e subsídios principalmente para essa finalidade.
Voltarei ao assunto, por sua importância e complexidade. O que não se pode mais é fechar os olhos para esta pobreza que nos envergonha como nação.