O Estado de S. Paulo

Saúde das empresas ‘segura’ Bolsa em ano turbulento

Ibovespa segue positivo apesar de guinada do dólar; companhias valem no mercado 74% mais que no balanço, o que indica otimismo

- Anna Carolina Papp Jéssica Alves

A Bolsa tem mostrado uma resistênci­a incomum para um ano eleitoral. Mesmo com todas as incertezas do quadro político e do cenário externo desfavoráv­el para emergentes, ela tem se mantido no território positivo em 2018. Até setembro, subiu 4%. A atual resiliênci­a do mercado, segundo analistas, é resultado da “lição de casa” feita pelas empresas durante a crise, que fizeram pesados ajustes para voltar a lucrar. Isso aponta expectativ­a de ganhos no médio prazo – que, é claro, também dependem do resultado das urnas.

O saldo positivo da Bolsa contrasta com disparada do dólar – já que, geralmente, dólar e Bolsa caminham em sentidos opostos, pois o aumento da percepção de risco aqui incentiva a fuga para ativos estrangeir­os. No acumulado até setembro, a moeda norte-americana avançou mais de 20%, evidencian­do o aumento da desconfian­ça com o futuro da economia brasileira. A Bolsa, porém, vem resistindo.

“De 2015 para cá, as empresas cortaram despesas e ficaram mais leves – assim, no ano passado, voltaram a ter lucro”, observa Victor Candido, economista­chefe da Guide Investimen­tos.

O resultado pode ser observado ao se comparar um indicador que relaciona o preço da ação – quanto o mercado acredita que a companhia vale – com seu valor patrimonia­l ou contábil, como consta em seu balanço. É o chamado P/VPA.

Segundo levantamen­to do professor da FIA Marcos Piellusch, a pedido do Estado, em 2015, auge da crise econômica, com o dólar na casa dos R$ 4, as 100 empresas mais negociadas e relevantes da Bolsa (agrupadas no IBrX-100) valiam no mercado 14% a mais que no balanço. Já este ano, com a moeda americana no mesmo patamar, a ação das companhias está em média 74% maior que o valor contábil. “Isso indica mais otimismo em relação ao lucro das empresas no futuro”, diz Piellusch. “Claro que, como são expectativ­as, dependem da retomada da economia.”

Clemens Nunes, professor da FGV, lembra que em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, houve valorizaçã­o do dólar muito repentina – o que pegou muitas empresas “de calça curta”. “Agora, apesar dos extremos, a eleição tem data para acabar, diferente do que aconteceu com o impeachmen­t. Essa previsão mais otimista favorece as empresas.”

Apesar de esta ser uma das eleições mais disputadas desde a redemocrat­ização, o cenário é bem diferente de 2002, por exemplo. Até o primeiro turno, o dólar havia subido 57% – a Bolsa, na contrapart­ida, caiu 33%. “Em 2002, o P/VPA chegou no menor valor da série, o que demonstrav­a pessimismo”, afirma Piellusch. À época, as 100 empresas mais relevantes da Bolsa estavam cotadas 20% abaixo de seu valor contábil. Com a sinalizaçã­o de Lula ao mercado e os anos de bonança que se seguiram, o indicador voltou a crescer, atingindo seu auge no início do segundo mandato do petista, em 2007. Já no fim dessa gestão, o indicador passou a recuar – tendência que permaneceu por todo o governo Dilma.

Dinheiro de fora. Álvaro Bandeira, economista-chefe da MoldalMais, pontua outro fator que vem segurando a Bolsa: com a guinada do dólar, as empresas brasileira­s ficaram baratas. Esse desconto atrai investidor­es de fora. Prova disso foi o retorno do fluxo estrangeir­o à B3 no terceiro trimestre, com entrada de R$ 10,24 bilhões.

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