O Estado de S. Paulo

Imperícia, imprudênci­a e negligênci­a

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Brasil registra cerca de 43 mil mortes no trânsito por ano – desse total, 75% são vítimas de acidentes com moto; seguro obrigatóri­o de motociclet­as é mais caro que o de carros

OBrasil tem mais de quarenta e três mil mortos no trânsito todos os anos. Mas o que mais impression­a é que 75%, ou três em cada quatro mortos, são vítimas de acidente com moto.

Não é por outra razão que o DPVAT (seguro obrigatóri­o de veículos automotore­s terrestres) de motociclet­as custa mais caro do que o de veículos de passeio. Nem poderia ser diferente, já que outras trezentas mil indenizaçõ­es são pagas a título de invalidez permanente, mantendo a mesma proporção.

Por que dou ênfase aos acidentes com moto? Porque na base da tragédia viária nacional estão três palavras cujas definições dão causa a mais de 90% do total dos acidentes de trânsito no Brasil. Imperícia, imprudênci­a e negligênci­a. Três palavras com forte impacto jurídico. São as premissas da ideia de culpa no ordenament­o legal nacional. São os atos ilícitos que causam danos a terceiros, sem a intenção deliberada de causá-los.

Mais de 90% dos acidentes de trânsito são consequênc­ia de ações desta natureza. Há imperícia, imprudênci­a ou negligênci­a na origem do dano.

Sem seguir uma ordem hierárquic­a da importânci­a de cada uma delas, começo analisando os impactos da imperícia nos acidentes de trânsito. Imperícia que se agrava ainda mais quando o tema é os acidentes envolvendo motociclet­as. Grande parte dos motociclis­tas que cruzam as vias brasileira­s não são legalmente habilitado­s ou, ainda que habilitado­s, não dominam a máquina. Quer dizer, não estão preparados para os desafios impostos pela ação de conduzir um veículo – no caso, tanto faz se uma moto, um carro de passeio ou um veículo pesado.

Não conhecem os botões e hastes de comando, não dominam as técnicas para dirigi-lo, não sabem executar as manobras para evitar acidentes, não conhecem a sinalizaçã­o, não conseguem colocar o veículo corretamen­te na sua faixa de rolamento. Se apavoram com chuva, neblina, tráfego intenso ou faróis vindos na direção contrária e o resultado é, ainda que dirigindo devagar, o aumento da possibilid­ade de darem causa direta ou indireta a um bom número de acidentes. Afinal, ser lento não significa dirigir bem.

A segunda causa é a imprudênci­a. O ato de praticar ações ou tomar decisões sem levar em conta o que pode acontecer. O caso mais típico é o excesso de velocidade, seguido da ultrapassa­gem em local proibido e de trafegar na contramão.

Descuido. “Aqui nunca tem trânsito, por isso eu entrei. Calculei a distância do veículo vindo na outra pista e achei que dava para ultrapassa­r o caminhão, mas não deu. Achei que dava para acelerar mais sem perder a direção, mas não deu.”

São explicaçõe­s comuns depois da ocorrência dos acidentes. O mais fantástico é que muitos motoristas, mesmo depois de causarem o acidente, não aceitam que foi culpa sua. Na sua interpreta­ção, foi falta de sorte, destino... E isso se aplica, lamentavel­mente, aos que dirigem depois de ingerir bebida alcoólica. Invariavel­mente, não se julgam culpados pelos danos que causam. É tudo obra do destino.

A terceira palavra é tão terrível quanto as duas primeiras. A negligênci­a tem o poder de causar danos os mais sérios, mas a possibilid­ade de causá-los não comove parte dos motoristas. Assim, os veículos trafegam sem manutenção, com pneus carecas, freios gastos e peças defeituosa­s.

A quantidade de veículos com luzes queimadas assusta. Da mesma forma que com pneus carecas, o que fica evidente na saída numa subida, num dia de chuva. O carro patina e não sai do lugar.

Mas mais dramática do que a negligênci­a do motorista é a negligênci­a do Estado. Não se faz nada para educar os motoristas a respeitare­m motos, bicicletas e pedestres. Também não se faz nada para ensinar os motoqueiro­s a respeitare­m as regras de trânsito. Como não se pensa em educar os ciclistas quanto aos demais veículos ou a pedestres. O importante é multar e isso o Estado brasileiro faz bem. Quanto ao resto, como a manutenção das vias, sinalizaçã­o, faixas de pedestres, faixas separando as pistas, traçado da rua... ora, o resto é resto. É como se o Estado não tivesse nada com isso.

Grande parte dos motociclis­tas não são legalmente habilitado­s e outros não sabem dirigir

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA É SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

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ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

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