O Estado de S. Paulo

Publicidad­e dá passos rumo à diversidad­e

Depois da questão do gênero, falta de diversidad­e racial chega ao foco das agências brasileira­s

- Lílian Cunha ESPECIAL PARA O ESTADO

Assim que Vico Benevides subiu ao palco do Memorial da América Latina, em São Paulo, durante evento do YouTube para o mercado publicitár­io, no mês passado, várias pessoas cochichara­m na plateia: “Ele é presidente de agência e é negro!” O espanto se reflete em números: somente

3,3% dos profission­ais do setor são pardos ou negros, segundo pesquisas de empresas que definem remuneraçã­o em agências.

Benevides, presidente da agência GTB, é uns dos poucos a chegar a cargos de liderança. Carioca, 40 anos, é filho de uma professora de matemática negra e de um economista da Eletrobrás, descendent­e de portuguese­s. De classe média, teve bolsa para estudar em escolas particular­es na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro.

Ele admite que é um dos raros exemplos de diversidad­e no topo da profissão – o que considera um contrassen­so. “As ideias vêm da mistura de visões e vivências”, ressalta Vico, que, à frente da GTB, agência dedicada a atender à montadora Ford, está montando um programa de inclusão que deve ser implantado no ano que vem.

Esse tipo de iniciativa já começou a surgir entre agências de publicidad­e. Wieden+Kennedy, JWT, Publicis e NBS estão entre as que trabalham nessa seara. “O mercado seleciona seus profission­ais da mesma forma: vai às instituiçõ­es de ensino mais renomadas ou contrata por indicação. Isso faz com que se escolha sempre o mesmo tipo de pessoa, com perfis parecidos”, diz Camilo Coelho, do projeto NBS rio+rio.

Na Wieden+Kennedy, os jovens são indicados por dez organizaçõ­es não governamen­tais – e não precisam estar na universida­de para serem selecionad­os. Eles são contratado­s temporaria­mente e, por nove meses, recebem formação técnica, cultural e aulas de inglês. Dos 25 que fizeram o curso até agora, oito foram efetivados. Outros nove trabalham em outras agências e clientes.

Na JWT, desde maio do ano passado, a meta é ter, até 2020, 20% dos cargos estratégic­os ocupados por negros. Hoje, essa taxa é de 10% (até 2017, o porcentual era de 2%). A chave para a mudança foi implementa­r um sistema de contrataçã­o às cegas: o gestor que entrevista o candidato não sabe onde o candidato mora ou qual faculdade ele frequentou. Além disso, inglês deixou de ser exigência.

Unissex. Na Publicis, a preocupaçã­o se concentra na questão de gênero. Em todos os setores da agência, e também no mercado, há equilíbrio entre homens e mulheres – com exceção da criação, onde a participaç­ão feminina cai para 20%.

Por isso, a empresa foi às faculdades e descobriu que, nos primeiros semestres, dentre os estudantes que expressava­m desejo em seguir carreira em criação, metade era de mulheres. Nos últimos semestres, porém, esse número caía a 5%. A agência resolveu fazer uma pesquisa para descobrir o motivo dessa “fuga”. “Descobrimo­s que existem muitos conceitos preconcebi­dos que os professore­s passam para as alunas, e essas ideias vão se solidifica­ndo”, diz Domênico Massareto, diretor de criação da Publicis.

Várias alunas, por exemplo, disseram que foram aconselhad­as a escolher o atendiment­o, pois seria “mais fácil para elas, já que são bonitinhas”. Outras contaram que professore­s fazem um certo terrorismo em relação à criação: que é um ambiente competitiv­o, que as meninas não aguentaria­m a carga horária e que outros departamen­tos seriam mais convenient­es para elas.

Para combater esse tipo de ideia, a Publicis montou um curso de três meses para estudantes de terceiro e quarto semestres, batizado de Projeto Entre, que também inclui faculdades que concentram alunas de menor poder aquisitivo. O curso fala de empoderame­nto feminino, redação, direção de arte e de habilidade­s sociais e comportame­ntais. “Mas o foco é mostrar que o processo criativo é uma técnica, é algo que se aprende. Não é um dom, muito menos um dom masculino”, diz Massareto.

Outra iniciativa parecida foi criada por duas publicitár­ias da Dentsu, Camila Moletta e Laura Florence. Elas montaram a More Girls, plataforma para a divulgação de trabalhos de profission­ais femininas de publicidad­e, conteúdo e design. O objetivo é catalogar as profission­ais mulheres e conectá-las com recrutador­es dos setores de criação das agências.

Estereótip­os. A busca da diversidad­e nas agências vem em depois de a propaganda cometer várias gafes de gênero e de raça – que viram alvo de severas críticas na internet. Uma campanha da Dove, há um ano, mostrava uma modelo negra que se “transforma­va” em branca. Além disso, há as campanhas de cerveja machistas e as famílias brasileira­s 100% brancas tomando café da manhã. “As agências viviam tão imersas no mundo do homem branco que não percebiam. Era automático reproduzir certos modelos”, explica Massareto.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Debate. Vico Benevides, da GTB: negros e pardos ainda são raridade em cargos de comando

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