O Estado de S. Paulo

A megera domada

O novo ‘Nasce Uma Estrela’ favorece Bradley Cooper mais que Lady Gaga

- Luiz Carlos Merten

Há mais de 80 anos, repete-se, em Hollywood, o que não deixa de ser uma contradiçã­o em termos. Desde o primeiro Nasce Uma Estrela (William Wellman, 1937), a estrela em ascensão é sempre um nome consagrado da indústria – e depois de Janet Gaynor vieram Judy Garland (George Cukor, 1954) e Barbra Streisand (Frank Pierson, 1976). Todas essas versões beberam na fonte de um Cukor de 1932, What Price Hollywood?, ou simplesmen­te Hollywood, no Brasil. Os críticos gostam de assinalar o que para eles virou maldição – nenhuma atriz ganhou o Oscar interpreta­ndo o prestigiad­o papel, o que é válido para o prêmio de interpreta­ção, mas Barbra cavou uma estatueta de canção, por Evergreen.

Lady Gaga vai quebrar a escrita? Há uma nova versão da história. Estreia na quinta, 11, nos cinemas brasileiro­s. O novo Nasce Uma Estrela tem direção do ator Bradley Cooper e já passou com brilho pelo Festival de Toronto, do qual saiu como mais que provável indicação para o Oscar. Você já deve ter visto o trailer, que gera expectativ­a e é melhor que o filme, mas essa é outra história. Desde a sexta, 5, a trilha está liberada em todas as plataforma­s digitais – são 17 composiçõe­s inéditas e a recriação de um clássico de Edith Piaf, La Vie en Rose, que Lady Gaga canta num show de drag queens. O piscar de olho não poderia ser mais óbvio – a cena remete ao começo da carreira da própria Gaga, que também saltou de um show de drag para o estrelato.

Sucesso de público na ‘América’, o filme foi seguido por outro estouro – Venom –, o que faz deste mês de outubro o melhor dos últimos anos para o cinema dos EUA. Nasce Uma Estrela, a versão de 2018, é bom, mas poderia ser melhor. A maior ousadia de Cooper como diretor é deslocar o foco da estrela que nasce para o astro que tomba na decadência – e que ele interpreta. Cooper não deve fazer a mínima ideia, mas seu filme tem mais de um ponto de contato com o universo country retratado numa produção brasileira – Coração de Cowboy. Se isso ajudar a chamar atenção para o filme de Gui Pereira, ótimo. Em tempos de empoderame­nto feminino, Hollywood, passada a empatia inicial – de 2017 –, começa a tomar distância do movimento. Na primeira parte do filme, Cooper, percebendo o brilho natural e a força de Ally/Lady Gaga, a convoca para o palco sem pedir licença a ninguém. Reconhece que ela é alguém que tem algo a dizer, e lhe dá o impulso necessário.

Todo poder às mulheres – mas eis que surge o manager, e ele promete catapultar Ally para a estratosfe­ra. A primeira coisa que faz é edulcorar sua persona selvagem. Coreografi­a, dançarinos. Quando Ally, já estrela, anuncia que quer colocar Cooper no palco com ela, o manager lhe corta as asas na hora – ‘no way’, de jeito nenhum. A estrela que nasce é formatada para, e pela, indústria. Sem querer forçar a barra, o megassuces­so do ano passado foi

Mulher-Maravilha, e você deve se lembrar que, no blockbuste­r de Patty Jenkins, Gal Gadot é boa de briga, mas quem resolve a parada é Chris Pine. Essa conversa sobre feminismo, empoderame­nto talvez não seja o epicentro do novo Nasce Uma Estrela, mas a observação é pertinente. Influencia­da por artistas como David Bowie, Michael Jackson, Madonna e Queen, Lady Gaga construiu sua persona pública por meio da provocação e do exagero. Virou ativista de causas LGBT. É curioso que tenha aceitado, em seu primeiro grande papel, essa imagem de ‘megera domada’.

Nos EUA, parte da imprensa tem reclamado que o ator e diretor Bradley Cooper é ‘handsome’ (bonitão) demais para interpreta­r o ‘has been’ (o astro que já era) da história. Cooper estourou na série Se Beber,

não Case!, na qual uma certa canastroni­ce servia ao personagem. O papel como ‘sniper americano’, no filme de mesmo nome, de Clint Eastwood, o candidatou para o Oscar. A expectativ­a agora é saber se Cooper volta ao Oscar como ator, diretor, ou ambos.

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WARNER BROS No palco. Olhar de Cooper para Lady Gaga marca a transição da anônima para estrela

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