Minoria no poder
Meio bilhão de pessoas. Dois países. E um fim de semana em que em cada país, Brasil e Estados Unidos, o número de pessoas influenciando decisões históricas para a saúde das duas democracias se conta nos dedos da mão.
A vaga na Suprema Corte era o grande prêmio que fez evangélicos brancos entregarem a Casa Branca a um nova-iorquino cuja vida dissipada era fartamente conhecida. No final, o radicalismo do vencedor fez que ele escolhesse para a quinta vaga da Suprema Corte, a que se alia, algumas vezes a conservadores, outras a liberais, um extremista da defesa do poder presidencial.
Havia, na lista da fundação que oferece a maioria dos candidatos conservadores a tribunais federais, inúmeros juízes não acusados de agressão sexual por duas mulheres e que não mentiram ao Senado sob juramento. Mas o presidente escolheu o juiz que pode lhe proteger num eventual processo de impeachment. E o destino da corte máxima do país ficou na mão de apenas três senadores. O custo deste momento de cólera entre os americanos vai ser sentido muito além da eleição de 8 de novembro.
O custo deste momento de cólera entre os brasileiros é sentido há tempo e vai passar por uma inflação como a que precedeu o Plano Real. O destino da nossa democracia ficou nas mãos de um ínfimo grupo de políticos que não conseguiram se unir. Há duas semanas, Eduardo Jorge contou que procurou FHC em fevereiro propondo uma aliança de centro e foi rejeitado.
Escrevi aqui em agosto sobre o passadismo que marcou a nossa campanha. O coronel na prisão ofereceu a volta ao passado real que ele mesmo começou a desmontar. O capitão exaltou a ditadura como o passado de ordem e segurança. Esta eleição que já derrotou o Brasil revela ter muito mais em comum com a eleição de 2016 nos EUA.
O candidato fora da curva, o que se declara “apaixonado” pelo presidente americano, só ficou mais forte com os ataques recebidos. Como o original de Washington, o capitão usou a derrubada de tabus de civilidade, caráter e respeito ao processo eleitoral como medalha de honra.
O problema do centrismo é que ele não pode ser confundido com maioria. Uma coisa é supor que a maioria dos brasileiros não deve ser extremista. Outra coisa é achar que o centro abarca um vasto conjunto de convicções comuns e basta se declarar seu vizinho.
Querer agradar a todos significa não agradar a ninguém. Os EUA são hoje governados pela agenda de um quarto de sua população de eleitores. Considerem que a maioria neste reduzido segmento perdeu seguro saúde, bebe água mais poluída e está subsidiando a compra de iates e aviões particulares. Depois de sucessivas derrotas, movimentos como a legalização do casamento de pessoas do mesmo sexo nos EUA ou a descriminalização do aborto na Irlanda, mudaram sua sorte quando a preocupação em transmitir mensagens populares foi substituída pela inteligência em tornar popular o que queriam dizer. Foi isso que o capitão fez. Foi isso que João Santana fez com a campanha de destruição de Marina Silva em 2014. Financiada por corporações que compraram o PT e seus aliados, Dilma pegou uma mulher extraordinária, símbolo de superação e do que o Brasil tem de melhor e a transformou num vampiro dos pobres.
Quem tinha a história privada e pública mais eloquente nesta campanha? Política é narrativa, este termo tão surrado. Mas contar sua história não basta. E não adianta dizer fulano roubou, fulano quer ditadura. Não vi esforço sério para falar direto com o eleitor de Lula, muito menos preocupado com corrupção do que com o quanto a sua vida piorou nos últimos quatro anos. Liberais usam a percepção do que o amorfo centro quer para calibrar a mensagem, enquanto a ultradireita usa a mesma percepção para radicalizar.
O presidente escolheu o juiz que pode lhe proteger num eventual processo de impeachment