O Estado de S. Paulo

Socorro, essa criança não come!

- MÔNICA NOBREGA Envie sua pergunta para viagem.estado@estadao.com CRIANÇA A BORDO

Dava gosto de ver. Na mesa ao lado, o casal e suas quatro crianças tomavam o café da manhã. Nos pratos, da bebê de colo ao maiorzinho de uns 8 anos, havia frutas, pão, queijo, cereal, iogurte, ovos, salsicha. Assumo que eu sentia uma pontinha de inveja, e não era por causa da tranquilid­ade reinante na mesa apesar da, digamos, superpopul­ação infantil. E sim porque os alimentos iam, pouco a pouco, desaparece­ndo. As crianças comiam, e comiam muito bem, obrigada.

Não vi mais aquela família – inglesa, ao que me pareceu – durante o feriadão na estação de esqui Valle Nevado, no Chile. Só ficou mesmo a imagem das crianças em idades tão distintas fazendo uma refeição completa sem drama, e a inevitável comparação com meu próprio filho, que

volta e meia “emperra” nessa questão durante as nossas viagens. Aconteceu com conhecidos em Orlando. Durante três dias o filho de 5 anos não ingeriu nada além do leite em pó levado na mala. E olha que não foi por falta de apelar até para o picolé do Mickey. Tentaram o restaurant­e brasileiro mais famoso da Flórida, o Camila’s – que tem unidade também em Miami –, mas nem o arroz com feijão foi capaz de destrancar a boca do guri.

Foi só quando mãe e pai se irritaram e, afogados em culpa (claro), acabaram com a farra do leite, que o menino sentiu a fome bater forte e finalmente se jogou num pratão... De macarrão com queijo, o mac’n’cheese típico dos cardápios americanos.

Por falar no Camila’s: a gente cria filhos incentivan­do a curiosidad­e, o interesse pelo diferente. Mas, no embate entre

expectativ­a que eles se recusem e realidade, a experiment­ar é bem possível a comida local e você se veja procurando algo mais familiar e neutro. Eu adoraria ter alguma dica mágica para dar aqui, mas tudo o que posso dizer é: se for o caso, respire fundo (de dó do seu dinheiro, compreendo e sou solidária) e vá no franguinho, na batata, no arroz. No exterior, a medida emergencia­l é pesquisar “brazilian restaurant” + o nome do destino. Dá certo praticamen­te no mundo todo – quanto mais distante do Brasil, maior a probabilid­ade de que o que o restaurant­e em questão chama de comida brasileira seja basicament­e churrasco.

Meu filho é maluco por suco de frutas fresco. E não chega nem perto de refrigeran­te. Antes que você elogie minha capacidade de ensinar bons hábitos alimentare­s, deixe-me contar do dia em que desembarca­mos em Belo Horizonte e a primeira coisa que o menino fez foi pedir um suco. Percorri todos – eu disse todos – os restaurant­es e lanchonete­s do aeroporto. Nada. Nem um mísero estabeleci­mento capaz de espremer três laranjas na hora, bater um maracujá, um abacaxi.

Voltei com um enganoso suco de caixinha, que meu filho colocou na boca, fez uma careta e: “isso não é suco, mamãe, isso é horrível!”. Seria ok se fosse só isso, mas, entre pegar o carro alugado, achar o caminho e chegar a algum outro lugar que vendesse a desejada bebida, foram uma duas horas de “vai demorar para a gente achar suco?”. Ou seja, a boa formação à mesa não necessaria­mente é um antídoto.

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A boa notícia – sim, tenho uma – é que a disposição de crianças para experiment­os alimentare­s varia ao longo da vida. Até os 2, 3 anos, são mais abertas. Aí vem a idade do não, quando é preciso ser firme para impor a rotina alimentar saudável, já que é uma fase importante para a formação dos hábitos. No momento em que me encontro agora, filho de 7, a abertura voltou a aumentar. Agora ele descobriu o lámen, o udon, os macarrões orientais com caldo. Virou sucesso. Olha que avanço.

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O mundo virtual está cheio de conteúdos para ajudar as crianças a se interessar­em pela comida internacio­nal. A série Daily Bread (“o pão de cada dia”) do fotógrafo americano Gregg Segal, publicada recentemen­te (bit.ly/daybread), mostra o que comem as crianças em uma dezena de países.

No Instagram, meu filho e eu estamos apaixonado­s pelo perfil @girleatwor­ld, no qual Melissa, natural da Indonésia, posta fotos de comidas típicas “posando” diante de pontos turísticos e paisagens de lugares pelo mundo. Entre tantos lugares lindos e guloseimas apetitosas, combinamos de criar um perfil sobre comida e viagem para nós dois. Eu não sei se terei paciência para tanto, mas já estou bem satisfeita de ver meu menino fazendo uma lista de coisas que quer experiment­ar nas nossas próximas viagens.

BOCA FECHADA

••• Não foi falta de apelar até para o sorvete do Mickey

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