O Estado de S. Paulo

Indústria 4.0

Plano de executivos busca renovar indústria Presidente­s de empresas destacam medidas para colocar o Brasil no caminho da 4ª revolução industrial

- Renée Pereira

Executivos elaboram propostas para o setor entrar no caminho da automação.

Foram dois anos e meio de intensas negociaçõe­s em Brasília para conseguir, literalmen­te, tirar um robô da caixa. Até três meses atrás, a legislação determinav­a que esse tipo de máquina tinha de ficar isolada para garantir a segurança e integridad­e do trabalhado­r, afirma o presidente da multinacio­nal ABB, Rafael Paniagua. Em 2015, a empresa lançou o primeiro robô colaborati­vo de dois braços, desenvolvi­do para trabalhar lado a lado com os humanos.

Mas a determinaç­ão de manter o robô isolado, numa estrutura fixa, era contrária ao objetivo do produto de elevar a produtivid­ade da fábrica com o trabalho conjunto de funcionári­os e máquina. Isso atrasou a automação das fábricas nacionais interessad­as em adotar o robô – no Brasil, o número de robôs por 10 mil trabalhado­res é de 15, ante uma média mundial de 74.

Esse tipo de dificuldad­e é apontada por especialis­tas e executivos como um dos entraves que afastam o Brasil da chamada 4.ª revolução industrial. Foi por conta de experiênci­as como a da ABB que, nos últimos meses, os presidente­s das principais empresas do setor elétrico e eletrônico elaboraram uma série de propostas, entregues aos presidenci­áveis, para fazer a indústria deslanchar e entrar no caminho da automação.

“Esse trabalho nasceu de uma conversa longa com os líderes das empresas sobre a indústria 4.0 e sobre como inserir o Brasil nas cadeias globais”, afirmou o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato. Segundo ele, as propostas incluem linhas de financiame­nto para pesquisa e inovação; aperfeiçoa­mento do sistema educaciona­l e redução de impostos e de barreiras tarifárias.

O trabalho teve a consultori­a do economista da FGV, Márcio Holland, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Ele conversou com vários executivos e visitou inúmeras fábricas. “O mundo está em pleno processo da revolução 4.0, que representa o aumento da automação e da digitaliza­ção. O Brasil pode entrar nesse caminho numa velocidade maior.”

Das conversas com os executivos, surgiram várias propostas divididas em três pilares (ler

mais ao lado). O chamado custo Brasil está no pilar que trata de ambiente de negócios, incluindo políticas macroeconô­micas, reforma tributária, investimen­to em infraestru­tura e reforma trabalhist­a. “A revisão do sistema tributário, por exemplo, pode tornar o País um polo exportador”, diz Holland. “Se você não tira os impostos, não consegue se integrar nas cadeias de valor.”

Rafael Paniagua, da ABB, concorda. Para ele, desenvolve­r as exportaçõe­s é o caminho mais rápido de gerar riqueza para o País. “Hoje, muitas oportunida­des que temos de exportar são atrapalhad­as por problemas de logística e tributário­s. Não dá para exportar impostos. Assim, é difícil competir com o exterior”, diz ele, que exporta 20% da produção local e importa 30%.

Outros pontos importante­s foram destacados pelos executivos como entraves importante­s para o desenvolvi­mento da indústria. Isso inclui mão de obra especializ­ada e segurança jurídica para investimen­tos, afirma o presidente da HP, Claudio Raupp. Na avaliação dele, para que o Brasil entre como protagonis­ta na revolução 4.0 é necessário um esforço conjunto de múltiplos atores, como empresas, entidades setoriais, governo e escolas técnicas/universida­des para formação de mão de obra.

“É importante que esses pilares estejam sincroniza­dos porque essa é uma iniciativa de país. Nenhuma nação avança na indústria 4.0 se não for uma decisão de Estado”, diz Raupp. Segundo o executivo, é preciso criar condições para quem está investindo e desenvolve­ndo esse ecossistem­a de tecnologia e inovação no Brasil, como, por exemplo, garantir impostos adequados para aquisição de máquinas e bens de capital.

Impressora.

As empresas, diz ele, também precisam de segurança jurídica para desenvolve­r a produção local e trazer novas tecnologia­s. A partir de 2019, a HP trará para o mercado nacional a impressora 3D para a indústria. Isso tem envolvido longas negociaçõe­s para zerar o imposto de importação e tornar o produto competitiv­o no mercado local.

“Temos de pensar que esse equipament­o será vendido para a indústria nacional, que precisa competir globalment­e. Portanto, o preço não pode ser muito diferente daquele praticado lá fora”, diz Raupp.

Transição. Na opinião dos executivos, esse momento de transição tem de ser aproveitad­o para acelerar as iniciativa­s pró-indústria 4.0. Mas o assunto tem sido pouco explorado pelos candidatos à Presidênci­a, afirmam os executivos, que veem o momento como ideal para novas iniciativa­s. “Hoje há uma ociosidade muito grande no setor. Então a lógica é aproveitar isso e adotar a automatiza­ção nas máquinas já existentes”, afirma o presidente da Siemens, André Clark. Ele explica que, com os juros baixos, volta a fazer sentido investir no setor produtivo. No caso de tecnologia, o benefício é que o retorno é de curto prazo.

“Mas, claro, precisamos resolver algumas questões macroeconô­micas importante­s e ter um cenário político mais claro para que as empresas consigam voltar a investir com segurança.” Ele também defende que o novo governo tenha um olhar especial sobre a questão da educação e a formação técnica – importante para o setor industrial. “Não podemos ficar de fora dessa revolução”, diz Holland.

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Demora. Paniagua, da ABB, levou dois anos para liberar robô em indústrias

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