O Estado de S. Paulo

Pedro Doria

- PEDRO DORIA E-MAIL:COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

A China está em posição de vantagem para implantar o maior esquema de espionagem digital existente.

Uma história absurda de tão grande, publicada na última edição da Bloomberg Businesswe­ek, tem chamado bem menos atenção do que deveria. Porque, no Vale do Silício, é o tema dominante. Se for confirmada, estamos perante a maior operação de espionagem digital da história. E toda lógica do livre mercado promovida pela globalizaç­ão entra em xeque. No centro da discussão, está uma dúvida fundamenta­l: é possível confiar na China para fabricação de hardware? Porque, se não for, vai ser produzido onde?

Mas o problema é : a Bloomberg pode ter cometido um grave erro de apuração.

Segundo a reportagem, em 2015, ao comprar um software de compressão de vídeo para seu sistema de streaming de séries e filmes, a Amazon esbarrou num problema gigante. Os programas rodam em servidores da Supermicro, empresa que só nos EUA produz computador­es de grande porte para mais de 30 companhias. Os responsáve­is por uma auditoria de segurança contratado­s pela Amazon, porém, descobrira­m nestas máquinas um chip mínimo, do tamanho da ponta de um lápis, que não estava no projeto original. Um chip espião.

O processo de fabricação de apetrechos digitais não tem nada de simples. Envolvem uma série de fabricante­s e montadores em inúmeros países diferentes. E o problema localizado pelos consultore­s da Amazon estava na placa mãe dos servidores. Uma placa montada na China com componente­s colhidos de inúmeros fabricante­s.

A Supermicro é uma empresa curiosa. A maioria das companhias que trabalham com servidores pesados têm suas máquinas no parque. Americana, sediada em San José, na ponta do Vale do Silício, é toda comandada por executivos chineses e tocada por engenheiro­s chineses. Uma empresa americana na qual a cultura interna é estrangeir­a. Não é a única — num país de capitalism­o multicultu­ral como os EUA, é até razoavelme­nte comum.

O mínimo chip espião não estava no projeto das placas mães. Mas veio assim do fornecedor estrangeir­o e, de tão pequeno, ninguém reparou que ali havia um intruso. E, no entanto, uma vez ligada a máquina, este chip começava a enviar para algum ponto da China informaçõe­s sobre o que passava por aquele servidor. Segundo a Bloomberg, a Amazon localizou o problema e informou ao FBI de presto. Só que a Amazon nega terminante­mente a história.

A revista afirma que a Apple também descobriu o problema, quando um de seus engenheiro­s percebeu uma anomalia no comportame­nto do tráfego de sua nuvem. Aqueles envios contínuos para um ponto estranho do planeta de dados. Os planos eram de comprar 30 mil servidores da Supermicro. Foram abortados. A Apple também nega — terminante­mente — ter descoberto qualquer coisa do tipo.

Na terça, a Bloomberg apresentou um novo personagem à narrativa. É Yossi Appleboum, um especialis­ta israelense que apresentou aos jornalista­s documentos detalhados pelos quais mapeia como ele e sua equipe descobrira­m outro chip espião em servidores Supermicro. No seu caso, o cliente espionado era uma das principais empresas de telecomuni­cações americanas. Ele não revela qual.

Sem mais confirmaçõ­es, é uma história de deixar qualquer um inseguro. A China, porém, está se fechando. Muitas das grandes empresas de tecnologia por lá têm participaç­ão estatal, ou então oficiais das Forças Armadas em seus conselhos ou direção. Como os fabricante­s são muitos, é virtualmen­te impossível detectar em que momento da montagem um espião assim foi colocado.

Boa parte de nosso hardware é produzido por lá. O país está em posição de vantagem para implantar o maior esquema de espionagem digital existente.

A China está em posição de vantagem para implantar o maior esquema de espionagem

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