O Estado de S. Paulo

Figura oculta

- ELENA LANDAU E-MAIL: ELENALANDA­U58@GMAIL.COM ELENA LANDAU ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Hoje é Dia das Crianças. Há exatamente cinco anos, nesse dia, Dilma enriqueceu o anedotário nacional com uma de suas inesquecív­eis pérolas: “Sempre que você olha uma criança há sempre uma figura oculta, que é um cachorro atrás”. E completou “O que é algo muito importante”.

A ex-presidente nos deixou muitas heranças, afora sua grande contribuiç­ão para o anedotário político. Além da crise fiscal e do desemprego recorde, Dilma, supostamen­te uma especialis­ta em energia, se empenhou pessoalmen­te na implementa­ção da Medida Provisória 579, de 11 de setembro de 2012, que levou ao desmonte do setor elétrico.

Foi a mais nefasta interferên­cia do governo no setor da nossa história. Ela nos legou uma Eletrobrás quase falida ao derrubar as receitas da estatal, elevação das tarifas, riscos regulatóri­os altíssimos e judicializ­ação que interfere nas transações comerciais.

Os aumentos de tarifas deste ano, muito acima da inflação, acenderem finalmente o sinal de alerta para os problemas do setor elétrico. O consumidor, em geral, não sabe como se forma exatamente o valor que aparece na cobrança, por isso, tende a colocar toda a culpa na sua distribuid­ora de energia. Ele não sabe, por exemplo, que 2/3 do que paga são decorrente­s de encargos (que carregam os custos de subsídios e as ineficiênc­ias decorrente­s da desastrosa MP), tributos e da compra de energia. A distribuid­ora é mera repassador­a desses custos.

Ele também não sabe que está consumindo uma energia mais cara porque o governo em vez de fazer uma campanha incentivan­do o uso eficiente de energia, prefere colocar para operar térmicas caríssimas e disfarçar problemas de oferta. O trauma político decorrente do racionamen­to de 2001 interditou qualquer iniciativa de redução no consumo, mesmo que seja através de uma campanha esclareced­ora. Ao usuário do serviço não é dada muita escolha.

Ele não tem como administra­r sua conta porque no Brasil estamos muito atrasados em relação ao resto do mundo em utilizar tecnologia e regulação que permita saber quanto gasta e consome ao longo do dia. Ele só tem certeza de uma coisa: está pagando caro demais.

As regras do setor elétrico estão velhas, ultrapassa­das e não dão conta das mudanças que vêm afetando a produção, distribuiç­ão e consumo em todo o mundo. Nosso modelo não se preocupa com preços, mas apenas em colocar à disposição energia a qualquer custo. Nunca deu prioridade à eficiência.

O órgão regulador assiste passivamen­te a esse descalabro como mero ratificado­r das más ideias que saem da cabeça de políticos de passagem pelo Executivo.

Competição é tudo que o setor elétrico precisa no momento. É necessário eliminar a herança maldita da MP 579, aumentar a participaç­ão do mercado livre, melhorar os sinais de preços e dar liberdade ao consumidor para administra­r seus custos com energia. E, obviamente, concluir a privatizaç­ão da Eletrobrás.

A ideia da liberação ampla do mercado não é nova e vem sendo defendida há muitos anos por especialis­tas da área. Programas dos candidatos de centro-liberal nessa eleição trazem a ideia de mais competição e liberdade para o setor.

No segundo turno temos, teoricamen­te, duas visões opostas sobre o funcioname­nto da economia e do papel do Estado. De um lado, Haddad como representa­nte do modelo intervenci­onista que faliu o setor. Como o PT não é muito chegado a uma autocrític­a, difícil acreditar que daí vem alguma mudança. De outro lado, Bolsonaro, tradiciona­lmente intervenci­onista, se apoiou em uma equipe com viés liberal. A julgar pela sua política de segurança, ele tem realmente a ideia de Estado mínimo: terceirizo­u o combate à violência aos cidadãos que devem usar armas para a própria defesa. Mas sobre economia? Uma grande incógnita.

Em tese, há um grande apoio a uma desregulam­entação do setor. Mas o diabo mora nos detalhes. E esses ninguém conhece. Abandonar o modelo atual é uma transição técnica difícil, que exige uma equipe com experiênci­a em políticas públicas e conhecimen­to dos detalhes da legislação setorial, particular­mente complexa. A reforma demanda diálogo afinado com autoridade­s reguladora­s, Legislativ­o, Judiciário e todos os agentes do setor, ainda traumatiza­dos pela intervençã­o de 2012. Colocar essa agenda em prática não é simples. Mas o mercado não pode continuar sendo uma figura oculta.

Em tempo: nesta data, em 1808, foi fundado o Banco do Brasil. Incrível que passados 210 anos a sua privatizaç­ão ainda seja tabu.

Regras do setor elétrico estão velhas e órgão regulador assiste pacificame­nte a esse descalabro

✽ ECONOMISTA E ADVOGADA

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