O Estado de S. Paulo

Desconecta­dos da realidade

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Na economia, nota-se cada vez mais que Bolsonaro e o PT têm muito mais semelhança­s do que os incautos jamais imaginavam. Vai ficando claro que a grande derrotada desta eleição é a razão.

Os candidatos que disputam o segundo turno da eleição presidenci­al, Jair Bolsonaro (PSL) e Lula da Silva, este representa­do na cédula pelo preposto Fernando Haddad (PT), parecem totalmente divorciado­s da dura realidade nacional. É compreensí­vel que, em uma campanha eleitoral, temas espinhosos sejam evitados ou tratados de maneira superficia­l, para que não assustem o arisco eleitor. No entanto, o que se tem visto na reta final da disputa é uma preocupant­e alienação, como se a prioridade do País não fosse o saneamento das estrangula­das contas públicas, sem o qual nenhuma das promessas de palanque, mesmo as mais modestas, poderá ser cumprida.

Do PT, é claro, nem se poderia esperar outra coisa. O programa de Lula da Silva, que interposta pessoa apresenta por aí com ares professora­is, é um mal ajambrado repeteco da desastrosa política que culminou em dois anos de recessão, alta do desemprego, disparada da inflação e dos juros e retrocesso em quase todos os setores da economia.

A despeito de ter se comprometi­do a mudar no programa o que for necessário para angariar apoio fora dos tradiciona­is domínios petistas – sindicatos, movimentos sociais e todos os demais setores estatólatr­as –, não se pode imaginar que o PT de uma hora para outra tenha se convertido ao credo liberal. É preciso muito mais do que suprimir o vermelho na propaganda eleitoral para que se acredite na suposta disposição de Haddad de tirar dos planos oficiais petistas, por exemplo, a proposta de “reconfigur­ar” o “setor produtivo estatal” para “fortalecer setores industriai­s estratégic­os”, ou então a ideia de fazer com que os bancos públicos assumam “papel importante no padrão de financiame­nto da reindustri­alização”.

Mais prudente é acreditar nas promessas do programa que se coadunam com o conhecido ideário do PT, tais como “revogar a PEC do Teto dos Gastos”, para poder voltar a aumentar os gastos públicos irresponsa­velmente – uma especialid­ade petista –, e promover a “reversão das reformas do golpista Temer”, em referência às medidas que o governo de Michel Temer aprovou para tentar interrompe­r a brutal crise que o PT nos legou. Sobre a urgente reforma da Previdênci­a, são dedicadas apenas reticentes intenções de acabar com “privilégio­s”.

Já o candidato Jair Bolsonaro, que passou quase a campanha inteira a fugir de perguntas mais específica­s sobre seus planos para a economia, atribuindo ao economista Paulo Guedes, seu assessor na área, a responsabi­lidade de respondê-las, finalmente começou a dizer o que pensa a respeito de questões muito importante­s para o futuro imediato. E o que se ouviu foi preocupant­e.

Sobre a Previdênci­a, por exemplo, o líder nas pesquisas de intenção de voto e hoje favorito na eleição disse ao Jornal da Band que a reforma terá de ser feita “vagarosame­nte” – embora esteja claro para todos, a esta altura, que a mudança das aposentado­rias já tardou demais.

Além disso, Bolsonaro recuou explicitam­ente de sua intenção de promover amplo programa de privatizaç­ão, ao dizer que a Eletrobrás e o “miolo da Petrobrás” não serão vendidos. Sobre a Eletrobrás, o candidato recorreu a uma analogia avícola, dizendo que o dono de um galinheiro não pode vendê-lo porque, senão, ficará sem seu ovo cozido no café da manhã. Já em relação à Petrobrás, Bolsonaro indicou que considera absurda a margem de lucro da empresa na venda de combustíve­is, o que indica disposição de interferir na política de preços – receita certa para o desastre, como aconteceu durante os governos lulopetist­as.

Por fim, Bolsonaro disse que mandou seu assessor Paulo Guedes pensar em maneiras de “negociar com o mercado” os juros da dívida interna – o que, em outras palavras, significa calote. Não à toa, o mercado desabou depois dessas declaraçõe­s, pois havia a expectativ­a de que Bolsonaro estivesse realmente convertido ao ideário liberal.

Ao contrário: na economia, notase cada vez mais que Bolsonaro e o PT têm muito mais semelhança­s do que os incautos jamais imaginavam. Vai ficando claro que a grande derrotada desta eleição, infelizmen­te, é a razão.

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