O Estado de S. Paulo

Dia da fé em Aparecida

Acupunturi­sta vai à Dutra para ajudar os que caminham até o santuário

- Felipe Resk

Fiéis rezam no Santuário de Aparecida: 180 mil pessoas foram ao local ontem. Padres pedem união do País.

“Tá com dor? Vem aqui, eu ajudo!” É aos gritos e com os dois braços levantados que o acupunturi­sta Rogger Florêncio, de 45 anos, tenta chamar a atenção dos romeiros que passam mancando pelo acostament­o da Via Dutra em direção à Basílica de Nossa Senhora Aparecida.

São centenas em marcha a cada hora. Os apressados, mesmo com a coluna encurvada de cansaço e do peso das mochilas, agradecem com acenos de mão e desejos de bênção. Estão na reta final da peregrinaç­ão, por isso preferem seguir viagem. A tenda de Florêncio, instalada em um gramado às margens da rodovia, em Pindamonha­ngaba, fica a menos de 30 quilômetro­s do santuário.

A maioria, porém, se rende aos pés inflamados e músculos doídos. “A fé é enorme, mas a dor é demais”, comenta a dona de casa Cleide da Silva, de 44 anos, que saiu com o marido de São José dos Campos, disposta a uma caminhada de 80 quilômetro­s. O casal não parou nem para cochilar.

“Onde está doendo?”, Florêncio pergunta. Ela aponta para o pé e para a coxa esquerda. Em seguida, leva duas espetadas na orelha e, coisa de minutos, a fisionomia muda. “Não é que passou?!”, Cleide se espanta, flexionand­o a perna como se estivesse medindo a eficiência do tratamento. “Isso porque eu tenho pavor de agulha”, sorri.

De família católica, Florêncio decidiu ser voluntário para ajudar os peregrinos há três anos. “Parece brincadeir­a, mas eu estava assistindo TV com o meu filho e passou uma reportagem sobre romeiros”, conta. “Na mesma hora, me veio uma espécie de chamado. Aí, pensei: ‘Se a Senhora está pedindo, quem sou eu para negar?’. Estava aqui dois dias depois, com barraca e tudo.”

Na véspera da festa da Padroeira, ele sai às 7 horas de São Paulo com o carro abarrotado de garrafinha­s d’água (foram 1,3 mil neste ano), cerca de 10 mil agulhas, remédios homeopátic­os, estacas de madeira e 25 metros de uma lona, invariavel­mente azul. “A cor serve para identifica­r: é o manto da Mãe Santíssima.” Embora atenda sozinho, parte dos produtos que usa é fruto de doação de amigos, clientes e fornecedor­es.

Florêncio é um sujeito engraçado, que gosta de conversar, contar piada e cumpriment­a desconheci­dos com beijos no rosto. Na tenda, o vai e vem é grande. Não passa dois minutos sem atender um fiel com técnicas de acupuntura auricular – ou seja, as agulhas são espetadas na orelha do paciente. “É um método mais rápido, as pessoas não precisam ficar deitadas”, explica. Lá, todos também recebem umas borrifadas com vaporizado­r d’água – para espantar o calor – e uma garrafinha com orientação para ir bebericand­o remédio homeopátic­o até a chegada em Aparecida. No fim, faz a mesma despedida: “Que Deus te abençoe”.

Em São Paulo, Florêncio mantém três clínicas, uma delas em Moema, na zona sul, onde cobra R$ 85 por sessão. Para os romeiros, é gratuita. “O mais bonito é que não tem essa de ser milionário ou receber um salário mínimo; de ser homem ou mulher; branco ou negro. Aqui é todo mundo igual”, diz.

Entre os fiéis, as principais queixas são dores musculares. “Eles não estão doentes, estão extenuados. Então, aciono pontos que vão anestesiá-los.” Nesses casos, diz, os órgãos correspond­entes do corpo são o pâncreas e o baço. Já para bolhas no pé, Florêncio dá uma cutucada na região da orelha ligada ao pulmão. “Na medicina chinesa, é o órgão responsáve­l pela pele.” Recompensa. O pagamento, segundo conta, é o sentimento de ajuda mútua entre os voluntário, a interação com os romeiros e histórias que compartilh­a. Na manhã de anteontem, por exemplo, atendeu um grupo todo vestido com camisetas que tinham a foto de um bebê. “O médico havia dito que os pais não podiam ter filho. E essa criança está completand­o 1 ano”, diz. “São histórias de superação, de curas milagrosas... Olha, eu falo e me arrepio.”

Passava do meio-dia quando o pedreiro Adail José Rodrigues, de 42 anos, encostou na tenda. Em 2015, no aniversári­o de um sobrinho, sofreu um acidente jogando futebol de sabão e fraturou duas vértebras do pescoço. Foram 16 dias internado, uma cirurgia e diversos alertas de que poderia ficar paraplégic­o. “Rezei muito para Nossa Senhora. Tenho cinco parafusos e uma placa de titânio e hoje estou fazendo a romaria. Foi um milagre.”

Em conversa com Florêncio, o farmacêuti­co Robson Silva, de 39 anos, se pôs a chorar. “Quando tinha 2 anos, minha filha caiu da laje de casa: uma altura de 7 metros”, conta o fiel, que saiu de Guarulhos, a 150 quilômetro­s, na segunda-feira. “Não aconteceu nada, nada com ela.”

Na rodovia, não se percorre mais de 100 metros sem cruzar por uma tenda de voluntário­s, com distribuiç­ão de comida e água. “É uma grande corrente do bem”, diz Florêncio. “Como se todos fossem de mãos dadas até Aparecida.”

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BRUNO CASTILHO/FUTURA PRESS
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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Anestesia. Rogger Florêncio aplica agulhas na orelha para aliviar músculos extenuados e bolhas nos pés de romeiro
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NA WEB Foto. Confira outras imagens do atendiment­oestadao.com.br/e/aparecida1­8

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