Metade das estatais de saneamento tem gastos maiores que a arrecadação
Serviço público. Na média, as despesas das estatais superam as receitas em 12%, o que ajuda a explicar a dificuldade de se expandir os serviços de saneamento no País; atualmente, mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso às redes de esgoto
As estatais de saneamento básico não têm conseguido gerar receitas nem para cobrir as despesas do dia a dia. Na média, os gastos das companhias, responsáveis por um dos setores com mais deficiências do Brasil, superam em 12% a arrecadação, conforme levantamento feito com dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (Snis), do Ministério das Cidades. O resultado explica parte das dificuldades do País para investir no setor, que precisa de R$ 20 bilhões por ano para universalizar os serviços até 2033.
O levantamento reflete uma média nacional, em que as regiões Norte e Nordeste apresentam as maiores carências. O resultado é compensado, no entanto, por algumas empresas com saúde financeira equilibrada, como a Sabesp (SP), Copasa (MG), Sanepar (PR) e Compesa (PE).
De um total de 27 companhias estaduais, 14 têm insuficiência de caixa – ou seja, as despesas são maiores que a arrecadação. Na opinião de especialistas, esse quadro é reflexo de um problema comum entre estatais, como a má gestão dos ativos e o quadro de funcionários inchado. Exemplo disso é que há estatais de saneamento no País cujo índice de inadimplência chega a 50%, segundo dados levantados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Na prática, isso representa atraso no atendimento das metas de universalização, já que não sobra dinheiro para essas companhias investirem em melhorias ou expansão”, afirma Percy Soares Neto, diretor da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos (Abcon), que compilou os dados do Snis a pedido do Estado. Sem dinheiro em caixa, essas companhias dependem do dinheiro do governo para fechar as contas e investir.
Num cenário de crise fiscal, como o atual, a transferência fica mais complicada e, consequentemente, os investimentos são comprometidos. Nos últimos anos, o setor tem recebido metade dos recursos previstos no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
Para se ter ideia, o Brasil investiu em 2016 R$ 11 bilhões, mas desperdiçou R$ 10 bilhões com perdas de água potável no sistema de distribuição, segundo o Instituto Trata Brasil (que estuda o setor). O resultado é que 100 milhões de pessoas continuam sem acesso à rede de esgoto e 35 milhões não têm acesso à água potável.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Roberto Tavares, pondera que há muitas empresas estatais saudáveis no setor e que, pela desigualdade do País, há casos mais complexos, como os da região Norte. “Mas temos visto iniciativas importantes, com o setor privado, para reduzir as deficiências.”
Os candidatos à presidência da República ainda não têm propostas concretas para reduzir o atraso do saneamento básico brasileiro, afirmam especialistas. “Embora o diagnóstico do problema faça parte do discurso dos presidenciáveis, o setor carece de um debate mais aprofundado”, afirma o diretor da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares Neto.
O sócio da GO Associados, Gesner Oliveira, concorda. Na avaliação dele, o debate da campanha eleitoral está muito raso em relação ao setor. O executivo, que foi presidente da Sabesp, acredita que uma solução para o setor tem de passar por dois movimentos: a melhora da governança e gestão das estatais e espaço maior para as empresas privadas atuarem por meio de parcerias.
Nesse segundo ponto, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) criou um programa em que se propõe a fazer o diagnóstico do setor nos Estados e traçar o melhor modelo para a expansão dos investimentos. O plano começou com a adesão de 15 Estados, mas hoje conta com apenas 7 (Amazonas, Pará, Acre, Alagoas, Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro). “Levantamos as informações e discutimos com os governo o melhor modelo a ser implementado. Cabe a eles decidirem qual modelo adotar”, afirma o diretor do BNDES Guilherme Albuquerque.
Modelos. Ele afirma que o estudo feito pelo banco encontrou empresas com governança adequada, como a Sabesp, e outras com grandes deficiências, como inadimplência de 50% e controles internos inadequados. “De forma geral, vimos empresas com grandes dificuldades, um modelo de negócio difícil de se manter.” Entre as alternativas desenhadas pelo banco para resolver o problema, há Parcerias Público-Privadas (PPPs), subconcessão e subdelegação de alguns serviços.
Esses modelos já começaram a ser adotados por algumas estatais em conjunto com empresas privadas. A Aegea, por exemplo, assumiu no ano passado os serviços de água e esgoto de Teresina, no Piauí. “Há uma falta de oportunidade grande para expandir os negócios. Neste ano, não tivemos nenhuma licitação”, afirma o diretor da Águas da Brasil, Carlos Eduardo Castro.
O presidente da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Roberto Tavares, afirma que as soluções precisam ser analisadas com cuidado. “Não somos contra o capital privado, mas entendemos que a entrada das empresas precisa ser organizada.” Sua avaliação é que não se pode entregar apenas as concessões rentáveis para as empresas privadas e deixar as deficitárias com as estatais, numa referência à Medida Provisória (MP) 844, em tramitação no Congresso.