Ziraldo em dose dupla
Duas exposições celebram a obra do cartunista em SP
Há pouco mais de uma semana, na coletiva da Mostra Internacional de Cinema, o repórter perguntou a Ademar de Oliveira, que lá estava, quais filmes faziam sucesso em seus cinemas – Itaú Augusta, Arteplex Frei Caneca e Bourbon, etc. O momento não está fácil, especialmente para filmes brasileiros. Obras programadas para ser blockbusters derrapam na bilheteria, quando não fracassam redondamente. A resposta de Ademar – um sucesso persistente está sendo Os Invisíveis. E ele acrescentou que filmes sobre o Holocausto não negam fogo. Sempre terminam por encontrar seu público. E independem do investimento em marketing. O boca a boca encarrega-se da divulgação.
Tem gente que jura que o Holocausto não ocorreu. O assunto até virou filme – o recente Negação, de Mick Jackson, com Rachel Weisz, Tom Wilkinson e Timothy Spall. Outros gostariam de iniciar novo Holocausto – no Rio Grande do Sul, a suástica acaba de ser tatuada à faca no corpo de uma garota. O mais impressionante é como, apesar dos que o negam, o Holocausto segue vivo no imaginário, como uma fonte inesgotável de histórias. Você é capaz de pensar – mais um filme sobre Holocausto? O que ainda se pode dizer sobre o assunto? Muito. Os Invisíveis, de Claus Rafle, é a prova.
O filme conta a história de judeus que, apesar das leis raciais e da caçada dos nazistas, assumiram o desafio de permanecer na Alemanha. Os Invisíveis conta a história de quatro deles. Quatro jovens – dois homens, duas mulheres. Necessitam de uma rede de apoio e solidariedade. Documentos, locais onde ficar, ou se esconder. O filme termina sendo sobre isso – sobre a resistência, sim, o desafio, certo, mas também o amor. Às vezes, o apoio vem de onde você menos pensa. Um dos rapazes, especialista em forjar documentos, está na rua. Encontra uma judia que todos os ‘invisíveis’, como ele, sabem que colabora com os nazistas. Ele sempre a desejou. Tomam um café juntos. Ele a convida para ir a seu esconderijo. Ela... Olha o spoiler. Veja Os Invisíveis.
Claus Rafle documentou-se. Entrevistou sabe-se lá quantos desses judeus que sobreviveram. Escolheu os depoimentos de quatro. Eles contam suas histórias, e o cineasta as reconstitui. Documentário + ficção + imagens de arquivo. Um docudrama, no qual a encenação, muito bem feita, é parte de um todo, integra-se ao conceito. Um dos personagens, Cioma, já foi citado – é o falsificador. Hanni tinge o cabelo. Loira, passase por ariana, mas também ocorre o improvável, a forma como ela ganha ajuda. Eugen tem contatos, ou o pai tem. É hospedado por uma família de comunistas, depois por outra. Ruth tem a sorte de ir trabalhar na casa de um militar alemão, e de novo ele sabe quem ela é. Por que algumas pessoas aceitaram calar, colaborar? E como são jovens, e belos, apesar de toda a insegurança, os personagens vivem o turbilhão emotivo próprio da idade. Sentem desejo.
Goebbels vangloria-se que não sobrou nenhum judeu em Berlim. A rapidez de raciocínio ajuda Ruth, no meio de uma reunião de oficiais do Reich, quando seu tipo físico chama atenção, e a coloca em risco. E o que dizer, quando os russos, entrando em Berlim, estão a ponto de fuzilar dois de nossos heróis? Sofrer tanto, sacrificar-se dessa maneira, e para terminar desse jeito? Os Invisíveis emociona. É bem feito e interpretado. Claus Rafle baseou-se no livro que ele próprio publicou no ano passado, baseado nos depoimentos que coletou. Teve a colaboração de Alejandra López no roteiro. No elenco, os mais conhecidos são os atores. Florian Lukas, o Eugen, apareceu nos filmes Adeus, Lenin e Grande Hotel Budapeste. Max Mauff, o Cioma, em Victoria e A Onda. Rafler e seu filme devem muito a eles.
SÉRGIO AUGUSTO