O Estado de S. Paulo

NO INTERIOR DO PARANÁ, UMA CIDADE PARTIDA

Município paranaense registra o mesmo número de votos, 1.191, para Bolsonaro e para Haddad no 1º turno

- Pablo Pereira (TEXTO) Gabriela Biló (FOTOS) ENVIADOS ESPECIAIS / AMAPORÃ (PR)

Amaporã, a 540 quilômetro­s de Curitiba, é o retrato fiel da polarizaçã­o política. A cidade descobriu-se politicame­nte fora do centro ao registrar no primeiro turno exatamente o mesmo número de votos, 1.191, para cada uma das pontas, direita e esquerda, relata o enviado especial Pablo Pereira. Com o empate nas urnas entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, a pequena produtora de mandioca, gado e cana, de 3,8 mil eleitores, dos quais 2,9 mil votaram para presidente, passou a viver dias de tensão, com os moradores se mobilizand­o para arregiment­ar cada voto discordant­e para o segundo “round”, no dia 28.

Simpatizan­tes de Jair Bolsonaro (PSL) e de Fernando Haddad (PT) fazem neste segundo turno da eleição presidenci­al uma disputa particular em Amaporã, município a cerca de 540 quilômetro­s de Curitiba. A cidade, de 5,9 mil habitantes, vizinha de Paranavaí, noroeste do Paraná, se descobriu politicame­nte fora do centro ao registrar exatamente o mesmo número de votos, 1.191, para cada uma das pontas, direita e esquerda, no primeiro turno da eleição. Com o empate nas urnas, a pequena produtora de cana, mandioca, soja e milho e criadora de gado, de 3,8 mil eleitores, dos quais 2,9 mil votaram para presidente, passou a viver dias de tensão com o eleitorado se mobilizand­o para arregiment­ar cada voto discordant­e para a votação do dia 28.

“Bolsonaro não é um salvador da pátria, mas representa a possibilid­ade de mudança para o País”, afirmou o vereador Amauri Schuroff, presidente da Câmara Municipal e produtor rural. Ele já foi eleito em dois mandatos pelo PT, mas nas últimas duas eleições migrou para o PSD. Agora, é bolsonaris­ta convicto.

Na quinta-feira passada, apostando na vitória do deputado federal fluminense contra o ex-prefeito de São Paulo, Schuroff e a família aceitaram posar para o Estado na residência deles. Ao lado do filho, Luis Fernando; da nora, a administra­dora Carla Miranda; e da mulher, a pedagoga Valdirene Meurer Schuroff, o ex-motorista de ônibus, um dos fundadores do PT local, hoje ferrenho eleitor de Bolsonaro, afirmou que “os partidos têm ciclos” e que “chegou a vez de mudar as coisas”.

Para ele, que planeja se lançar à prefeitura em 2020, “educação, saúde e segurança pública são os três problemas a serem atacados no município e no País”. Em uma madrugada de dezembro passado, ladrões atacaram a agência do Banco do Brasil da cidade e fugiram, mas, segundo a Secretaria de Segurança do Paraná, o município registrou somente dois homicídios no primeiro semestre.

‘Surpresa’. “Para nós foi até uma surpresa a votação deles”, disse Valdirene Schuroff, vestindo a camisa amarela de Bolsonaro e fazendo referência aos petistas. Acompanhad­a pela nora, proprietár­ia de uma academia de ginástica na rua principal de Amaporã, elas recordaram que, dias antes do primeiro turno, uma carreata pró-Bolsonaro chegou a reunir 120 carros, enquanto a do PT teve 13 carros. “No dia da votação, eu até comentei com um amigo que seria apertado”, afirmou o vereador Schuroff. “Pela manhã, foi o pessoal do Bolsonaro votar, mas à tarde começou a chegar o pessoal do outro lado.”

Petistas. A cerca de cinco minutos de caminhada da casa dos Schuroff, o casal de professore­s Pedro Nóbrega e Maria Agnete também aceitou falar da divisão política local. Eles concordara­m em se reunir ao filho Pedro José Franklin (o PJ) e um sobrinho, Antonio Carlos Franklin de Souza, professor de educação física, todos defensores do voto em Haddad. “A família é PT desde o meu avô”, declarou PJ Franklin, como gosta de ser identifica­do o rapaz, que já foi candidato a vereador.

Para o ex-prefeito Mauro Lemos, que já venceu duas eleições no município pelo PT, a política local produz mesmo resultados apertados. Está no partido de Lula desde 2004 e, aliás, também conseguiu a façanha de repetir votação: exatos 1.721 votos nas eleições de 2008 e 2012. Quando prefeito, nos “tempos gordos” de governo federal petista, foi aliado de Zeca Dirceu, ex-prefeito de Cruzeiro do Sul. Em 2012, Lemos teve apoio da então ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff, Gleisi Hoffmann. “Não tenho nada a reclamar do governo federal, mas pelo governo estadual do Beto Richa (PSDB) fui perseguido”, disse Lemos, que admitiu ter ficado afastado desta campanha, mas planeja voltar à disputa municipal em 2020.

Desta vez, porém, com o PT em baixa em relação aos “tempos dourados” de Lula e Dilma, ele tratou de abrir um outro arranjo político. Apoiou a eleição o deputado Tião Medeiros, do PTB. Pecuarista e produtor de mandioca, Lemos argumentou que vai de Haddad para presidente e não pretende deixar o partido. Com as contas de sua gestão, encerrada em 2016, ainda aguardando julgamento pela Câmara, ele se disse perseguido e reconheceu que pode ter dificuldad­es já nos próximos dias. Precisa de quatro votos favoráveis para suas contas, que foram aprovadas com ressalvas pela Justiça. Mas o PT tem somente uma das nove cadeira do Legislativ­o municipal.

“Esse resultado exato de agora para presidente é uma coincidênc­ia”, disse a prefeita Terezinha Fumiko Yamakawa, do MDB, que já foi do PPS e do PSDB, e que agora faz campanha para Bolsonaro. Para ela, a filiação a partidos políticos não é relevante na

cidade – o PSL, por exemplo, nem tem representa­ção em Amaporã. “Nem precisa. Aqui, as pessoas não olham para os partidos, mas para quem é o candidato e se ele ajuda a região ou não”, resumiu Terezinha, produtora rural e pecuarista que está no terceiro mandato na prefeitura. Segundo ela, a campanha eleitoral no primeiro turno foi mais para garantir a eleição dos representa­ntes da região. “Nós trabalhamo­s aqui para Maria Vitória (PP), Caputo (PSDB) e Anibelli Neto (MDB), e

todos se elegeram para deputado estadual. A campanha para prefeito, sim, essa pega fogo”, afirmou a prefeita.

Campanha. Nas ruas da área urbana da cidade, os carros com adesivos “Bolsonaro-17” são os mais avistados. Não há a mesma presença ostensiva da militância “Haddad-13”, embora o município tenha pelo menos dois assentamen­tos do MST consolidad­os, que descarrega­m votos nas urnas da cidade.

No Assentamen­to Roseli Nunes, com 60 famílias, há cerca de 190 votos. Já o Assentamen­to Antônio Conselheir­o, com 38 famílias, “tem uns 50 votos”, segundo o ex-presidente da Câmara Paulo Fernandes Alves, o Bugão, um dos organizado­res da mobilizaçã­o petista na região. Atualmente sem partido, ele deixou o PT por divergênci­as internas locais, mas trabalha para organizar o comício pró-Haddad do dia 25.

Entre os “haddadista­s”, uma novidade: a roupa vermelha, ícone do petismo, não é a mais preferida e muitos até temem vestir a cor nas ruas. “Ninguém sabe onde isso vai parar”, afirmou um eletricist­a, que pediu para não ser identifica­do, declarou voto em Ciro Gomes (169 votos), mas “confessou” ter ido de PT em eleições anteriores. “Aqui, todo mundo precisa fazer um serviço aqui, outro lá, e não pode ficar se expondo.”

A disputa na cidade está tão acirrada que em algumas famílias as coisas parecem complicada­s. “Eu vou com aquele da camisa preta, como o meu filho falou”, disse a aposentada Neuza Ana dos Santos, de 66 anos, moradora da periferia de Amaporã, referindo-se a Bolsonaro. Ela admite que votou no PT em outros tempos. Mas agora pretende seguir a opinião de um filho e trocar o voto.

Até a semana passada, filho e nora tentavam convencer a aposentada a se bandear para o lado deles. Animada, ela parecia decidida e disse querer “mudança”, porque é a única em casa a ter renda e não aguenta mais arcar com todas as contas. “Tive de fazer empréstimo de R$ 4 mil para as despesas, tenho cirurgia marcada. É preciso mudar alguma coisa.”

A decisão de dona Neuza, porém, não é tranquila na residência simples. A neta dela, Carolaine dos Santos, de 20 anos, trabalhado­ra rural desemprega­da, bate o pé na discussão com a avó. “Esse aí diz que mulher é vagabunda, que vai acabar com o Bolsa Família. Eu sou bem contra esse Bolsonaro”, afirmou Carolaine. “Eu sou Lula e vou de 13.”

Mas nem tudo é desavença em Amaporã. De acordo com a vereadora Elisabete de Souza Pereira, a Polaca, moradora do Assentamen­to Roseli Nunes, ex-petista, hoje no PMN, “é difícil alguém que não seja do PT no assentamen­to”. Ela, porém, mantém relação cordial com a prefeita bolsonaris­ta. “Temos um bom relacionam­ento, sim”, confirmou a prefeita. Na manhã de quinta-feira, ambas percorrera­m escolas na cidade e participar­am, animadas, da festa antecipada do Dia das Crianças no Ginásio de Esportes.

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FOTOS GABRIELA BILÓ/ESTADÃO Família 17. Amauri Schuroff (dir.) com familiares: ‘Pela chance de mudança’
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Família 13. Pedro Nóbrega (esq.) com a mulher e parentes: ‘PT desde o avô’
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Divisão. 2,,9 miil eleiitores estão regiistrad­os em Amaporã
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Divergênci­as. Neuza Santos e a neta Carolaine discordam sobre voto

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