O Estado de S. Paulo

‘NÃO PRECISO SER COAGIDO MORALMENTE’

Ex-presidente nega apoio automático a Haddad, critica o PT, diz que não votará em Bolsonaro e defende mudar partidos

- Pedro Venceslau

Alvo de ataques do PT por mais de duas décadas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em entrevista ao Estado, disse não aceitar “coação moral” dos que agora buscam seu apoio no segundo turno. Apesar de manter postura crítica, ele afirma que há uma “porta” com Haddad (PT), mas não com Bolsonaro (PSL).

Alvo de ataques incessante­s do PT por mais de duas décadas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse, em entrevista ao Estado, que não aceita “coação moral” dos que agora buscam seu apoio. “Quando você vê o que foi dito a respeito do meu governo, nada é bom. Tudo que fizeram é bom. Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda.” Segundo ele, “agora o PT cobra... diz que tem de (apoiar Haddad). Por que tem de apoiar automatica­mente? Quando automatica­mente o PT apoiou alguém? Só na viceversa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha.” E desabafou: “Agora é o momento de coação moral... Ah, vá para o inferno. Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo”. Apesar disso, ele diz que “há uma porta” com Fernando Haddad (PT), mas com o “outro (Jair Bolsonaro, PSL)”, não.

• Como sr. vê o futuro do PSDB e avalia essa onda conservado­ra?

O PSDB, se quiser ter futuro, precisa se repensar. Depois de um terremoto, precisa reconstrui­r a casa. A onda conservado­ra é mundial.

• O PSDB tem mais identidade com quem neste segundo turno?

Pelo que eu vi das pesquisas, é quase meio a meio do ponto de vista do eleitorado. Em seis Estados, o PSDB ainda disputa eleição para governador. Os candidatos ficam olhando o eleitorado. Do meu ponto de vista pessoal, o Bolsonaro representa tudo que não gosto. Só ouvi a voz do Bolsonaro agora. Nunca tinha ouvido. Não creio que seja por influência do que ele diz ou pensa que votam nele. O voto é anti-PT. O eleitorado parece estar contra o PT. No olhar de uma boa parte dele, o PT é responsáve­l pelo que aconteceu no Brasil, na economia, cumplicida­de com a corrupção e etc. É possível que a maioria dos líderes do PSDB seja pró-Bolsonaro, mas não é o meu caso.

• O sr. tem mais identidade com o Haddad?

Não posso dizer isso. Como pessoa é uma coisa, como partido é outra. A proposta que o PT representa não mudou nada. Quando fala em economia, é a nova matriz econômica. Incentivar o consumo? Tudo bem, mas como se faz isso sem investimen­to? Como se faz sem enfrentar a questão fiscal? O PT no poder sempre teve uma deterioraç­ão da visão do (Antonio) Gramsci da hegemonia. Aqui não é cultural, é hegemonia do comando efetivo. Quando você vê o que foi dito a respeito do meu governo, nada é bom. Tudo que fizeram é bom. Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda. Agora o PT cobra... diz que tem de (apoiar). Por que tem de automatica­mente apoiar? É discutível. (O PT) Não faz autocrític­a nenhuma. As coisas que eles dizem a respeito do meu governo não correspond­em às coisas que acho que fiz. Por que tenho que, para evitar o mal maior, apoiar o PT? Acho que temos de evitar o mal maior defendendo democracia, direitos humanos, liberdade, contra o racismo o tempo todo.

• Nas encruzilha­das históricas, PSDB e PT se uniram. No caso de 2018 é diferente?

Não faço parte da direção do PSDB, que decidiu pela neutralida­de. Cada um pode fazer o que quiser. Política não é boa intenção. Uma coisa é a minha apreciação como pessoa sobre outra pessoa. Isso não é política. Se vamos estar juntos, tem que discutir completame­nte. Nunca houve isso.

• O PT não está colaborand­o para essa aproximaçã­o?

De forma alguma. O PT tem uma visão hegemônica e prepotente. Isso não é democracia. Democracia implica em abrir o jogo e aceitar a diversidad­e.

• Já houve algum diálogo do PT com o senhor?

Não. Tenho relações pessoais e cordiais com o candidato Haddad, mas o que está em jogo é o que será feito com o Brasil. Minha preocupaçã­o não é comigo ou o PSDB, mas com o Brasil. Qual é a linha? Estão pensando que estamos nos anos 60 e 70 ou terá uma linha contemporâ­nea? Aí não dá...

• Se o PT fizesse autocrític­a, seria possível apoiar Haddad?

Seria bom, mas o PT está propondo coisas inviáveis.

• O sr. vai declarar seu voto?

Quero ouvir primeiro. Não sei o que vão fazer com o Brasil. O Bolsonaro pelas razões políticas está excluído. O outro eu quero ver o que vai dizer.

• Há porta aberta para Haddad?

Eu não diria aberta, mas há uma porta. O outro não tem porta. Um tem um muro, o outro uma porta. Figura por figura, eu me dou com Haddad. Nunca vi o Bolsonaro.

• Haddad é diferente do PT?

Não adianta ser diferente. Haddad é a expressão do Lula. Ele usou uma máscara do Lula. Agora tirou e colocou uma bandeira verde e amarela.

• Marconi Perillo foi preso. Antes foi o Beto Richa. O PSDB caiu na vala comum?

Você nunca ouviu de mim acusação contra o PT. O papel de acusar é da polícia; de julgar é da Justiça. É importante que as investigaç­ões prossigam. Você nunca ouviu uma palavra minha de defesa só porque é do PSDB. Quero que tenha direito de defesa.

• O sr. conversou com Luciano Huck, que desistiu de concorrer. Se o PSDB tivesse lançado outro nome, talvez um outsider, a história seria diferente?

É difícil avaliar o que aconteceri­a com um candidato outsider. Sou amigo do Luciano Huck. É pessoa interessan­te, mas não sei o quanto tem habilidade para manejar os problemas do Estado. Espero que não desista. Nas circunstân­cias atuais, dificilmen­te um candidato do PSDB, fosse quem fosse, estaria isento de sofrer as consequênc­ias do terremoto. Estamos assistindo a um terremoto. Não creio que seja o caso de culpar A, B ou C. Na situação que vivemos, você vai precisar de liderança forte, o que não significa autoritári­a. O governador de São Paulo tinha experiênci­a e é uma pessoa correta, mas não teve apoio. Tentei juntar o centro antes. Ninguém quis. Não adianta ter ideia. Ideia é bom na universida­de. Tem que ter capacidade de convencer. Agora, estão me cobrando: tem que fazer isso, aquilo. Tem carta, intelectua­l da Europa, dos EUA, amigos meus me pedem isso... Eles não conhecem o processo histórico. Nessas horas, a palavra de alguém some no ar. Cobram de mim para tomar posições. Mas eu digo: Por quê? Qual é a consequênc­ia?

• Para a história, talvez?

Eu já fiz a minha história. Todo mundo sabe o que eu penso. Não preciso provar que sou democrátic­o. Eu sou! O PSDB sabe o que eu penso. Todo mundo sabe. Alguém pode imaginar que eu vou sair por aí apoiando o Bolsonaro? Nunca.

• Mas isso não significa que o sr. apoia Haddad?

Quando automatica­mente o PT apoiou alguém? Só na viceversa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha. Não vou no embalo. Não me venham pedir posição abstratame­nte moral. Política não é uma questão de boa vontade, é uma questão de poder. E poder depende de instrument­os e compromiss­os efetivos. Agora é o momento de coação moral... Ah, vá para o inferno. Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo.

• A esquerda diz que o Bolsonaro representa o fascismo.

O autoritari­smo, concordo, o fascismo, não, porque é um movimento específico de apoio popular e com ideias específica­s de Estado corporativ­o, tinha uma filosofia por trás. Não sei se ele (Bolsonaro) tem alguma filosofia por trás. Ele tem uma vontade de mandar. Não sei o que ele é. O que propôs como parlamenta­r foi corporativ­ismo. Agora vai ser liberal? Pode ser. As pessoas mudam. Mas não mostrou nada.

• O PSDB amargou o pior desempenho eleitoral de sua história. O que houve com o partido?

Houve um terremoto. Nele, há escombros de muitos partidos. O que ganhou na Câmara em maior número é o PSL. As pessoas não sabem o que significa PSL. Elegeram 52 deputados, 11% da Câmara. É a fragmentaç­ão, um problema estrutural. Como levar adiante isso? Querendo ou não, vai ser preciso agrupar forças. Mas ao redor do quê? Qual a proposta para o Brasil? Os candidatos não falam.

• O senador Tasso Jereissati criticou a decisão do PSDB de contestar o resultado da eleição de 2014 e de entrar no governo Temer. O que o sr. acha?

Em geral, concordo. Mas o caso da entrada no governo Temer é uma questão mais complicada. Fomos a favor do impeachmen­t. Fui dos mais reticentes – e a todos os impeachmen­ts, mesmo do Collor. É traumático. É um processo que abala. Mas não acho que o PSDB tenha sido incoerente nisso. Quanto ao resto, ele tem razão.

• João Doria e Alckmin tiveram um momento tenso. Alckmin disse não ser traidor, em referência a Doria. Como o sr. avalia?

Tenho certeza que Geraldo não é traidor. Não é do estilo dele. A eleição não está resolvida. O Doria ainda tem de disputar para saber qual será o grau de projeção dele. Não estou de acordo em apoiar o Bolsonaro. Não correspond­e à minha história e ao meu sentimento. Não são os militares voltando ao poder, mas o povo abrindo espaço para a possibilid­ade de uma presença militar mais ativa. Os militares entenderam a função deles na Constituiç­ão. Neste momento é muito importante defender o que está na Constituiç­ão. Não estamos mais na Guerra Fria. As pessoas olham para o que está acontecend­o no Brasil como se fosse 1964 e 1968. Havia Guerra Fria e capitalism­o contra comunismo. Não é essa a situação que vivemos. Temos de resistir a qualquer tentativa de ferir os direitos fundamenta­is assegurado­s na Constituiç­ão. O PSDB não deve abrir mão da defesa da democracia.

• E sobre a guinada liberal no PSDB que Doria defende?

Essa é uma questão do século 18. Estamos no século 21. Hoje você não tem mais a possibilid­ade de imaginar mercado sem regulament­ação. Fake news? Tem que regulament­ar. Você não pode pensar que o Estado vai substituir a iniciativa privada. Ninguém propõe controle social dos meios de produção. No passado, era isso que definia esquerda e direita. Liberal quer dizer o quê? É um falso problema.

• O sr. disse quando era senador que a extinção do PSDB podia ser parte da solução para mudar o sistema partidário.

O sistema partidário e eleitoral que montamos a partir da Constituiç­ão de 1988 se exauriu. A prova é a fragmentaç­ão partidária. Nós temos mais de 20 partidos no Congresso, mas não há 20 posições ideológica­s. Os partidos viraram quase corporaçõe­s. São grupos de parlamenta­res que se organizam e obtêm o Fundo Partidário e tempo de TV. Estamos assistindo à explosão desse sistema. Portanto, acredito que sim, será preciso repensar essa estrutura.

• Pode-se deduzir que do PSDB poderá nascer um novo partido?

Eu não diria o PSDB, mas é preciso mudar as regras partidária­s. Você não faz partido porque gosta. Quais serão as ideiaforça capazes de reagrupar partidos? Não é questão puramente legal, mas de existirem ideias e líderes que debatam essas ideias. Os partidos perderam o sentido originário.

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LEO MARTINS/ESTADÃO Missão. ‘Partido não deve abrir mão da defesa da democracia’, diz FHC

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