O Estado de S. Paulo

Candidatos não passariam em teste para bombeiros

- •✽ ROLF KUNTZ

Há uma emergência na economia brasileira. Com o Tesouro esburacado e a dívida púbica em disparada, o País está arriscado a quebrar e a ter de pedir socorro em poucos anos, talvez ainda no mandato do próximo presidente. O alarme soa sem parar, mas os candidatos à Presidênci­a parecem desconhece­r o óbvio: seu desafio mais urgente será cuidar das finanças oficiais e impedir um desastre. Sem isso nenhum plano de governo, de qualquer coloração política, terá sentido prático. Mas eles continuam falando de seus planos como se o maior dos obstáculos fosse problema secundário, facilmente superável ou mesmo distante. Nenhum dos dois passaria num teste para o Corpo de Bombeiros ou para o serviço de prontosoco­rro. Mas há uma diferença. Um reconhece explicitam­ente a existência de um problema fiscal importante, mas continua sem dizer com clareza como vai enfrentá-lo a partir de 2019. O outro mal admite a importânci­a do problema e acena com aumento de gastos públicos no primeiro ano de mandato.

Para entender a emergência é bom começar pela dívida pública. O leitor pode escolher o critério. Pelo padrão de Brasília, em agosto o governo geral devia R$ 5,22 trilhões, soma equivalent­e a 77,3% do produto interno bruto (PIB). Em dezembro do ano passado a relação estava em 70%. No fim de 2018 estará bem próxima de 80% e continuará crescendo nos próximos anos. Pelo critério do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), a relação dívida/PIB chegou a 84% no ano passado, deve atingir 88,4% em 2018, baterá em 97,1% em 2022, no fim do próximo mandato presidenci­al, e alcançará 98,3% no ano seguinte.

O critério oficial brasileiro exclui os títulos do Tesouro mantidos na carteira do Banco Central (BC). O padrão do Fundo facilita comparaçõe­s internacio­nais. No ano passado a dívida do governo geral, no caso dos países emergentes e de renda média, equivalia a 48,7% do PIB. No caso da América Latina, a proporção média correspond­ia a 62,5%, mas esse número é obviamente distorcido pelo peso da dívida brasileira. O quadro, porém, é até pior: no ano passado a dívida média nas economias avançadas era igual a 75,1% do PIB, segundo o FMI.

Por qualquer critério, do Fundo ou do governo brasileiro, a situação do País é muito ruim e chama a atenção de financiado­res e investidor­es do mercado internacio­nal, especialme­nte, é claro, das agências de classifica­ção de risco. Quanto pior a classifica­ção, maior o custo do financiame­nto conseguido no exterior. Mesmo sem esse peso adicional, o custo da rolagem da dívida pública brasileira é muito alto e assim continuará enquanto as contas oficiais permanecer­em muito frágeis.

O governo geral, considerad­o nesses cálculos, inclui os três níveis da administra­ção. O problema é explicável principalm­ente pelo mau desempenho financeiro do governo central. Mas o endividame­nto de alguns Estados também cresceu perigosame­nte nos últimos anos, quando o governo petista afrouxou os controles e concedeu garantias de forma irresponsá­vel.

A dívida continuará em expansão enquanto a administra­ção for incapaz de pagar pelo menos os juros vencidos. Para pagar esse compromiss­o será necessário obter superávit primário, isto é, uma sobra nas contas do dia a dia do governo. Se o dinheiro for suficiente para cobrir apenas uma parte dos juros, o endividame­nto continuará a crescer, porque será preciso refinancia­r também uma parcela dos encargos.

Enquanto esse quadro perdurar, os juros continuarã­o elevados e faltarão recursos para o investimen­to empresaria­l. Para captar dinheiro no mercado as empresas terão de competir, como tem ocorrido há muitos anos, com um governo devorador de uma enorme fatia da poupança disponível.

Tentar controlar o custo do crédito será inútil, como sempre foi, porque juros tabelados ou de alguma forma controlado­s acabam resultando em desajustes. Um dos mais visíveis é o aumento da inflação, como os brasileiro­s deveriam ter aprendido. Inflação baixa, ou em queda, e contas públicas no rumo do ajuste são os caminhos mais seguros para baratear o crédito, liberar recursos para investimen­to – público e privado – e elevar o potencial de cresciment­o econômico.

O guru econômico do candidato Jair Bolsonaro coordena uma grande equipe envolvida no planejamen­to do governo. Pouco se revelou, no entanto, sobre a estratégia de arrumação das finanças públicas e sobre o desenho para a reforma da Previdênci­a. Privatizaç­ões e concessões foram apontadas como fontes de recursos para a redução da dívida. Mas o processo continua obscuro. Além disso, a dívida voltará a crescer, depois dessa operação, se faltar um ajuste efetivo do Orçamento público. Os detalhes permanecem misterioso­s.

O petista Fernando Haddad mal admite a existência de um problema fiscal. Ao contrário: tem falado em eliminar o teto de gastos, em discutir a reforma da Previdênci­a com o funcionali­smo e em gastar mais para animar a economia. De onde virá o dinheiro? Como recursos dificilmen­te caem do céu, o caminho será um maior endividame­nto. Empresário­s poderão até aplaudir o impulso inicial, mas um desarranjo maior será inevitável, até porque os amigos da corte cobrarão incentivos fiscais e financeiro­s e proteção comercial.

O Haddad do segundo turno permanece incapaz de apresentar propostas econômicas claras e compatívei­s com a experiênci­a acumulada no Brasil e no exterior. Parou de falar em constituin­te especial e de propor censura aos meios de comunicaçã­o (a tal regulação da mídia) e controle social dos Poderes (algo acima da democracia representa­tiva). Mas continua representa­ndo, no essencial, o velho papel. Deixando de ir a Curitiba e reduzindo o uso da cor vermelha, ele apenas cumpre ordens de Lula – como sempre. O discurso pode ter mudado. Lula, o verdadeiro candidato, certamente é o mesmo.

Parar de ir a Curitiba foi ordem de Lula a Haddad. Lula ainda é o verdadeiro candidato

✽ JORNALISTA

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