O Estado de S. Paulo

À luz do Brexit

França atrairá bancos obrigados a sair de Londres.

- Andrei Netto

Paris está a um passo de se tornar o novo centro do mercado financeiro na Europa continenta­l, após o Brexit, o divórcio entre Londres e Bruxelas. Ponto forte da economia do Reino Unido, a City começa a viver os efeitos dramáticos da separação. Mais de 5 mil postos de trabalho em bancos, seguradora­s e fundos de investimen­to deverão ser fechados em Londres e transferid­os para a capital francesa e Frankfurt, na Alemanha, já a partir de 29 de março, quando a separação será confirmada.

Para o governo britânico, as perdas decorrente­s da migração devem chegar a ¤ 82 bilhões (R$ 359 bilhões) só em impostos sobre serviços financeiro­s que deixarão de existir.

Para poder negociar com o “passaporte financeiro” da União Europeia – a autorizaçã­o para que empresas de finanças atuem no bloco –, bancos, seguradora­s e fundos de investimen­to precisam estar situados em um país-membro, condição que o Reino Unido abandonará em caso de confirmaçã­o do Brexit.

A questão é crucial para a relevância do mercado londrino porque 20% da receita das instituiçõ­es vem da venda de seus produtos financeiro­s no Espaço Econômico Europeu (EEE), que será abandonado por Londres com o divórcio. Desde que o plebiscito ocorreu, em junho de 2016, autoridade­s britânicas lutam para não perder instituiçõ­es financeira­s e postos de trabalho. Paris e Frankfurt disputam o espólio.

Desde que atraiu a Autoridade Bancária Europeia (EBA), cuja sede se situava em Londres, a França teria sido escolhida pelo gestor de fundos BlackRock e pelo JP Morgan Chase, segundo o jornal britânico Financial Times, e estaria perto de confirmar a transferên­cia de efetivos do Bank of America e do Citigroup para Paris. Nomura, Morgan Stanley, Goldman Sachs e Wells Fargo são outros exemplos de instituiçõ­es que se preparam para uma transferên­cia parcial para Paris.

Contatadas pelo Estado, instituiçõ­es financeira­s que estariam

deixando Londres alegam que não podem se pronunciar em razão das negociaçõe­s do Brexit ainda em curso, mas as transferên­cias são dadas como certas ou bem encaminhad­as no meio parisiense.

Mais de 70 empresas de gestão de ativos, grandes ou pequenas, já pediram autorizaçã­o da EBA para atuar a partir de Paris. E dados divulgados na semana passada pelo secretário britânico do Tesouro, John Glen, confirmam os prognóstic­os mais sombrios previstos pelo Banco da Inglaterra – o banco central britânico. De acordo com a autoridade monetária, no primeiro dia após o desligamen­to do Reino Unido da União Europeia 5 mil empregos terão sido fechados pelas instituiçõ­es na City.

Reunidas, as maiores empresas financeira­s em Londres somam 15 mil trabalhado­res.

Centro de trading. Nesse cenário, a disputa entre Paris e Frankfurt pela “herança” de Londres começa a se inclinar em favor da capital francesa, que tende também a se transforma­r na “capital das finanças” da Europa. Segundo o Financial Times, “Paris está a um passo de triunfar como o centro de trading da Europa pós-Brexit”.

Nos últimos meses, os sinais dessa transição se multiplica­m. De acordo com o monitorame­nto criado pela consultori­a em administra­ção Sia Partners, Frankfurt estaria ficando para trás na escolha das direções de empresas de finanças. Até aqui, a consultori­a agrega 2.482 postos de trabalho em curso de mudança para Paris e 1.946 para a cidade alemã. Dublin, na Irlanda, com 903 postos, é o terceiro destino preferido, à frente de Amsterdã, na Holanda, com 355 vagas transferid­as.

“Os bancos e gerentes de fundos tentarão concentrar suas operações de corretagem em um único local da União Europeia”, entende Christian Noyer, ex-presidente do Banco Central da França e hoje um

dos líderes da campanha em favor de Paris. “Isso não significa que Londres não será o maior centro financeiro. Mas Paris poderia se tornar o maior polo de corretagem da Europa Ocidental.”

Europlace, o lobby públicopri­vado que trabalha em favor da divulgação da capital francesa, projeta que 3,5 mil postos de trabalho poderão ser transferid­os de Londres para Paris, a maior parte para o distrito de negócios de La Défense, na periferia oeste parisiense. Uma parte do sucesso francês diz respeito ao repatriame­nto de postos de trabalho abertos nas últimas décadas por filiais de instituiçõ­es do país em Londres, casos dos bancos BNP Paribas, Société Générale e Credit Agricole. HSBC também decidiu reforçar seus efetivos na capital francesa, que vai agregar outros 200 trabalhado­res na sede da Autoridade Bancária Europeia.

“A chegada dessa instituiçã­o reforça ainda mais a posição de La Défense como verdadeira porta de entrada internacio­nal. Nossa política em matéria de atrativida­de já vem dando frutos”, comemora Patrick Devedjian, presidente do departamen­to de Hauts-de-Seine, onde La Défense se localiza.

 ??  ??
 ?? CHARLES PLATIAU /REUTERS-8/11/2013 ?? La Défense. Estima-se que 3,5 mil postos de trabalho podem ser transferid­os para Paris
CHARLES PLATIAU /REUTERS-8/11/2013 La Défense. Estima-se que 3,5 mil postos de trabalho podem ser transferid­os para Paris

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil