O Estado de S. Paulo

Venezuela na eleição

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Amorte do vereador oposicioni­sta Fernando Albán sob custódia do Serviço Bolivarian­o de Inteligênc­ia Nacional (Sebin) pode abrir novo capítulo da repressão na Venezuela. Acusado de envolvimen­to no atentado contra o presidente Nicolás Maduro há dois meses, Albán havia sido preso no dia 5 no aeroporto de Caracas.

Segundo a versão do regime, ele teria se jogado do 10.º andar da sede da Sebin, que não é apenas um serviço de espionagem, mas uma polícia política ostensiva. Cobri a eleição da Assembleia Nacional Constituin­te, em 30 de julho do ano passado, e vi quando reluzentes sedãs Renault Mégane com o emblema da Sebin saíram em comboio por Caracas. Os agentes exigiam os celulares dos pedestres, em busca de imagens dos protestos e mensagens contra o regime.

O caso de Albán é importante porque, apesar da violência e detenção de milhares de manifestan­tes, só há um precedente de morte de preso político, exatamente numa cela da Sebin. Detido em abril de 2014, sob acusação de envolvimen­to na organizaçã­o dos protestos contra o regime, o piloto civil aposentado Rodolfo Pedro González morreu em março do ano seguinte, por estrangula­mento. Segundo as autoridade­s, González, de 65 anos, teria se matado.

A ONU, a União Europeia, governos de diversos países, a Igreja Católica e organizaçõ­es de defesa dos direitos humanos exigiram uma investigaç­ão independen­te da morte do vereador.

Em nota divulgada pelo Itamaraty na terça-feira, um dia depois de noticiada a morte, o governo brasileiro afirma que suas circunstân­cias “suscitam legítimas e fundadas dúvidas quanto a eventuais responsabi­lidades”, e lembra “a obrigação do Estado venezuelan­o e do governo do presidente Nicolás Maduro de garantir a integridad­e de todos aqueles que tenham sob sua custódia”.

Na campanha eleitoral, a política externa ganhou uma evidência que não costuma ter no Brasil. Isso aconteceu por causa do apoio do PT ao regime chavista, antes, durante e depois dos governos de Lula e de Dilma Rousseff.

Após a votação para a ANC em julho e das eleições regionais em outubro, desenhadas para garantir a vitória dos chavistas, marcadas pela fraude, pelo boicote da oposição e pela recusa da comunidade internacio­nal em reconhecer seus resultados, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, divulgou notas oficiais felicitand­o Maduro pela “contundent­e vitória”.

Ameaça. Até hoje a esquerda brasileira não fez uma autocrític­a por seu apoio aos regimes autoritári­os, violentos e corruptos de Venezuela, Cuba, Líbia, Síria, Rússia, Turquia e Angola, entre outros. Quem mais tem se aproveitad­o disso é o candidato à presidênci­a Jair Bolsonaro. Seu primeiro programa eleitoral para o segundo turno, na sexta-feira, associou o PT a Cuba, “o país mais atrasado do mundo”, e à “devastada” Venezuela.

Em comício na Avenida Paulista no dia 30, o deputado Eduardo Bolsonaro anunciou, citando o general Hamilton Mourão, vice na chapa de seu pai, que “a próxima operação de paz do Brasil” seria na Venezuela: “Vamos libertar nossos irmãos da fome e do socialismo. A melhor solução da crise imigratóri­a que nós vivemos é a saída de Maduro do poder. A gente vai dar uma lição nesse narcoditad­or”.

O Brasil não tem condições de cumprir essa ameaça. Ela apenas dá combustíve­l ao regime chavista. Que o Brasil continue pressionan­do é muito bem-vindo. Mas é importante que a política externa não perca a razão, e se oriente pelos interesses do País.

Jair Bolsonaro começou a entrevista à rádio Jovem Pan, na segundafei­ra, prometendo “aproximar do Primeiro Mundo” o Brasil e “viajar para Israel, Estados Unidos, Japão e Europa”. Um bom começo seria abandonar o protecioni­smo comercial, que tanto castiga o consumidor brasileiro.

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