O Estado de S. Paulo

Nas faculdades federais, só 10% optam por estudar fora do Estado de origem

Educação. A dificuldad­e econômica e a falta de recursos para criar políticas de assistênci­a estudantil são entraves para a mudança que o governo federal planejava estimular com as mudanças no Enem, em 2009, e a criação do Sistema de Seleção Unificada (Sis

- Isabela Palhares / COLABOROU ERICA CARNEVALLI

Pelo terceiro ano, Camila Medeiros, de 19 anos, busca uma vaga em Medicina em universida­de pública. Para alcançar o sonho de ser médica, estudaria em qualquer região do País, mas teme que, mesmo aprovada em uma instituiçã­o sem mensalidad­e, não consiga se manter financeira­mente longe de casa. A dificuldad­e econômica é um dos principais entraves para que os alunos mudem de Estado para cursar o ensino superior em uma universida­de federal.

Dados do Ministério da Educação (MEC) mostram que, em 2017, apenas 10% dos ingressant­es na rede federal de ensino foram estudar em uma instituiçã­o fora do Estado de residência. Um dos objetivos da mudança do Enem, em 2009, e da criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) era democratiz­ar o acesso ao ensino superior, diminuindo deslocamen­tos custosos e cansativos para os vestibulan­dos. A centraliza­ção em uma única prova trouxe benefícios financeiro­s para quem tenta mais de uma instituiçã­o, mas a mobilidade não se manteve ao longo dos anos. Antes da mudança, 1,5% dos ingressant­es mudavam de Estado. Essa proporção chegou a 25%, em 2010, primeiro ano do sistema.

Para especialis­tas e reitores de universida­des, a falta de recursos para políticas de assistênci­a estudantil – como moradia, transporte, alimentaçã­o e apoio pedagógico – é um entrave para que jovens de famílias de baixa renda possam mudar de região para fazer a graduação. Dos 31,8 mil que migraram para cursar a graduação, 42% fizeram o ensino médio em escola particular e um terço é de estudantes de São Paulo.

Camila estudou gratuitame­nte em uma escola particular de Caieiras, onde a mãe trabalha como assistente de serviços gerais. Por isso, não é beneficiad­a pelas cotas para alunos de escola pública. “Eu concorro com quem estudou em escolas muito mais caras que a minha.”

Ela conta que, se conseguir aprovação em alguma universida­de federal, vai pesquisar antes a política de bolsas e de moradia estudantil. “O problema é que eu sei que os valores são pequenos, alguns alunos ficam de fora ou demoram para conseguir a bolsa”, conta. Um estudo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituiçõ­es Federais de Ensino Superior (Andifes) verificou que o valor médio da bolsa estudantil varia de R$ 302,41 nas instituiçõ­es da Região Centro-Oeste, que tem a maior média, a R$ 244,16, na Região Norte, com o menor valor.

Ainda segundo a Andifes, são recorrente­s os relatos de próreitore­s que não conseguem atender todos os estudantes com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo. Como não têm recurso suficiente, muitas instituiçõ­es passaram a priorizar os que estão em uma faixa de renda de até R$ 600. Os investimen­tos do MEC para a área cresceram desde 2009, mas estacionar­am a partir de 2015.

Em nota, o MEC informou que no ano passado investiu R$ 953,7 milhões no Programa Nacional de Assistênci­a Estudantil e que para este ano a previsão é de R$ 957,2 milhões – se corrigido pela inflação, o valor é menor que o do ano anterior.

Medicina. Entre os cursos mais procurados por aqueles que migram de Estado para estudar, o primeiro é Medicina, com 2.232 estudantes. Em seguida estão graduações mais prestigiad­as e procuradas por jovens de famílias mais tradiciona­is, como Direito e as Engenharia­s.

Ex-aluna de escola particular, a paulista Marina Sammarco, de 25 anos, conseguiu a aprovação em Medicina na Universida­de Federal de Ouro Preto (Ufop) depois de passar quatro anos de cursinho tentando uma vaga nas universida­des públicas de São Paulo. Pela primeira vez fora de casa, a estudante não se adaptou à cidade por achá-la pequena e decidiu prestar novamente o Enem. Conseguiu ser aprovada na Federal de Minas (UFMG), em Belo Horizonte. “Não era a minha primeira opção, mas hoje vejo como uma oportunida­de.”

A desistênci­a dos estudantes no meio do curso e o retorno para os Estados de origem após a graduação são uma preocupaçã­o do MEC e de especialis­tas. Os dados mostram que 21% dos que entraram na rede federal no ano passado tentaram o Enem mais uma vez para ingressar em outro curso. Por isso, estuda a

criação de um sistema unificado para preencher essas vagas que sobram após a desistênci­a.

“Muitos cursos de Medicina, por exemplo, foram criados para solucionar uma carência de médicos. O mesmo ocorreu com outras áreas profission­ais. O problema é que o aluno vai, estuda, se forma e volta para um grande centro. Ou seja, a finalidade social daquele curso não é cumprida”, diz Maria Helena Guimarães, ex-secretária executiva do ministério e atual integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Em nota, o MEC informou que a mobilidade acadêmica é um fenômeno mundial, visto como “positivo e um dos pressupost­os da implementa­ção do Sisu”, mas disse que não avalia se a ocupação das vagas ocorre por estudantes da região das instituiçõ­es ou de fora dela. “Essa análise fica a cargo de cada instituiçã­o, no âmbito da respectiva autonomia. Algumas criaram mecanismos de ‘bônus regional’ para promover a maior inserção de estudantes da região.”

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FONTE: INEP INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO
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WASHINGTON ALVES/ESTADÃO Sem adaptação. Marina foi para Ouro Preto, não gostou, e acabou em Belo Horizonte

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