O Estado de S. Paulo

Plano une criação de creche e ensino religioso

Projeto feito por economista­s que assessoram Bolsonaro é direcionad­o para famílias pobres, com rede per capita de até 1 salário mínimo

- Renata Cafardo Renata Agostini

Economista­s que assessoram o candidato à Presidênci­a Jair Bolsonaro (PSL) preparam um plano para ampliar vagas em creches, que prevê ensino religioso para crianças de 0 a 3 anos. Direcionad­o para famílias pobres, com renda per capita de até um salário mínimo, pretende universali­zar o acesso à creche para essa faixa. Segundo o documento ao qual o Estado teve acesso, para alcançar essa meta, o governo repassaria dinheiro para instituiçõ­es não governamen­tais, como igrejas, e para pais que optarem por escolas particular­es.

Hoje, há creches conveniada­s às prefeitura­s, mas as instituiçõ­es sem fins lucrativos precisam provar que já trabalham com educação. O projeto cita que “serão estipulado­s indicadore­s da qualidade dos serviços”, com punição de descredenc­iamento para as instituiçõ­es que não cumprirem os requisitos. A proposta não detalha, porém, como será a seleção das entidades.

Segundo apurou o Estado,a ideia em análise prevê que convênios com escolas privadas sejam feitos por meio da política conhecida como vouchers, alinhada com o projeto liberal do economista Paulo Guedes, que coordena boa parte do plano de governo de Bolsonaro. Por esse sistema, o governo repassaria dinheiro às famílias pobres para que elas paguem creches privadas. O presidente americano Donald Trump deu ênfase aos vouchers. Mas o sistema ainda é controvers­o por lá. Estudos sobre estados americanos que adotaram a política não indicam melhora na qualidade do ensino.

Verbas.

No Brasil, só 30% das crianças de 0 a 3 anos estão em creches. O Plano Nacional de Educação prevê que o atendiment­o seja de 50%. Pesquisas têm mostrado que a educação infantil de qualidade é crucial para o desenvolvi­mento.

O custo do projeto seria de R$ 49 bilhões, o equivalent­e a metade do orçamento atual do Ministério da Educação (MEC). Os cálculos foram feitos por Alexandre Ywata e Adolfo Sachsida, ambos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamen­to, Desenvolvi­mento e Gestão. Eles têm papel de destaque nas discussões do programa de Bolsonaro e atuam na campanha em suas horas vagas.

A proposta prevê que o governo federal repasse R$ 7 mil por aluno ao ano e projeta vagas para cerca de 6 milhões de crianças que estão fora das creches. “É interessan­te a ideia de priorizar as vagas para os mais vulnerávei­s, mas não consigo saber de onde vai sair tanto dinheiro”, diz a especialis­ta em financiame­nto da educação Mariza Abreu. Segundo ela, a previsão é que o MEC destine este ano R$ 13,6 bilhões para todo o ensino básico, que inclui creches, préescolas, fundamenta­l e médio, por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvi­mento da Educação Básica (Fundeb). “Difícil usar quase quatro vezes esse valor só para creche.”

Os desembolso­s começariam em 2019. No primeiro ano, seriam R$ 12 bilhões, para famílias com renda de até um quarto de salário mínimo per capita. O montante seria elevado gradualmen­te até chegar a R$ 49 bilhões. A elevação de gastos seria compensada pelo fim de desoneraçõ­es tributária­s – isenções dadas a empresas, que tiveram o pagamento de tributos reduzido temporaria­mente. O programa de Bolsonaro considera como “fundamenta­l” a redução das renúncias fiscais.

O problema é que o mesmo programa fala em zerar já em 2019 o déficit nas contas públicas. Como ele já prometeu que não irá aumentar impostos, a equipe de Guedes terá de promover um expressivo corte de despesas. A elevação de gastos significar­ia, no mínimo, um esforço maior de cortes em outras áreas.

Legislação.

Creches com ensino religioso também são vistas com ressalvas. Segundo a lei, ele pode ser oferecido só no ensino fundamenta­l (1.º ao 9.º ano) e “com respeito à diversidad­e cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitis­mo”. Em 2017, no entanto, o Supremo Tribunal Federal declarou que não era inconstitu­cional oferecer ensino confession­al – direcionad­o a uma religião.

“A pedagogia não pode estar submetida à orientação religiosa. A escola é um lugar de diversidad­e, ainda mais a educação infantil, que é a primeira instituiçã­o da criança”, diz a professora da Universida­de Federal de Minas Gerais Monica Baptista. Ela defende que a ampliação se dê com creches públicas e parâmetros de qualidade já definidos.

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