O Estado de S. Paulo

POR UMA CASA PARA CHAMAR DE NOSSA

‘Repúblicas de adultos’ atraem interessad­os em baixar o preço do aluguel e a fatura da solidão

- Juliana Diógenes Caio Faheina ESPECIAL PARA O ESTADO

Para fugir dos aluguéis caros e da vida solitária das metrópoles, pessoas entre 30 e 50 anos estão buscando dentro de casa a convivênci­a em comunidade. São famílias, pessoas solteiras ou separadas que, em meio à crise econômica, se interessam em dividir espaços com outras, desconheci­das, para economizar e também fazer refeições coletivas, conversar e ter companhia.

“Quando morava sozinho, só tinha opção de estar sozinho e, se quisesse companhia, teria de levar visita para a minha casa”, diz o programado­r visual Marcel Castro, de 33 anos. Hoje, ele mora na Amarelinha, uma casa na Lapa, na zona oeste de São Paulo, com outras seis pessoas.

As “repúblicas de adultos” – ou coliving – são casas grandes, que preservam os espaços privativos como suítes. Quem busca esse tipo de convivênci­a precisa estar disposto a seguir regras.

A disciplina é um dos pilares da Amarelinha. Lá, os moradores dividem os R$ 6,4 mil de aluguel, além de R$ 420 de condomínio e IPTU, e todos têm funções definidas que podem se alternar: cuidar do jardim, administra­r as finanças, fazer compras, chamar o encanador. O diálogo é constante e a convivênci­a assume ares de família. “Tem tudo o que rola em uma: da treta aos momentos de confratern­ização.”

A proposta de divisão de espaços atrai também famílias, mas até certo ponto. A terapeuta corporal Bianca Frasson, de 38 anos, recém-separada e mãe de Chiara, de 17, e Lorenzo, de 7, gosta do compartilh­amento de experiênci­as, mas preza também pela privacidad­e que um estúdio dentro de um coliving proporcion­a. Eles vivem na Casa Tucuna, na Pompeia, na zona oeste, onde oito pessoas moram em três espaços.

No estúdio-casa, ela tem sofá, televisão, banheiro e cozinha. De espaços em comum com o restante dos moradores, há o deck e o quintal. Eles se dividem sobre o dia da semana em que podem tirar o lixo e lavar roupa, por exemplo. “Meus filhos adoram, se sentem super

à vontade. Meu filho entra nas outras casas, conversa com os vizinhos. Minha filha sobe para estudar no deck, pegando sol”, conta Bianca.

Segundo ela, os amigos acham o máximo a proposta, mas os parentes estranham. “A

família acha uma absurdo e não sabe como aguento.”

“É um monte de adulto que tem mais higiene, organizaçã­o e dinheiro morando em um esquema de república. O coliving é uma república sem tanta zona. As torneiras têm de estar funcionand­o direitinho”, diz o locutor Henrique Oda, de 35 anos, morador de um coliving no Alto da Lapa, na zona oeste.

Geração.

Afinidade e troca de experiênci­as é o que têm motivado esse novo público, na opinião de Alexandre Lafer Frankel, coordenado­r do grupo de Novos Empreended­ores do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi). Já há em São Paulo, por exemplo, prédios com o conceito de coliving, e Frankel aposta que apartament­os com essa proposta vão substituir as tradiciona­is quitinetes e repúblicas. “As pessoas estão buscando pontos em comum que geram relacionam­ento e senso de pertencime­nto. É a forma de pensar da nova geração.”

Diretor do FGV Social, o economista Marcelo Neri afirma que este é um movimento compatível com a economia partilhada, que tem como um dos principais ícones serviços como o Airbnb, em que as casas viram opções de hospedagem. Neri atribui a mudança de comportame­nto

ao avanço tecnológic­o, à queda no número de pessoas por domicílio e até à solidão. “No fundo, é uma estratégia mista. Você vai compartilh­ar algumas coisas, mas também vai ter a possibilid­ade de privacidad­e.”

Cohousing.

Outro modelo, menos comum no Brasil, é o cohousing – espaço pensado por grupos que se aproximam, convivem e planejam a compra e construção conjunta de casas para compartilh­ar. O processo leva, em geral, de três a cinco anos.

Para combater a solidão, a relações públicas Ana Beatriz de Oliveira, de 48 anos, idealiza um cohousing com outras nove mulheres em Belo Horizonte. Formado em março, o grupo é composto por pessoas acima de 40 anos, metade delas separada e que mora sozinha.

Para Ana Beatriz, a moradia como funciona hoje, sem convivênci­a com a vizinhança, é um modelo falido. “Os vizinhos hoje não se preocupam com os outros. Às vezes a gente divide parede com parede, escuta latido de cachorro, choro de criança e não sabe quem está do outro lado. As pessoas não se conhecem e não se procuram.”

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JF DIORIO/ESTADÃO-11/9/2018 Em família. Bianca mora com os filhos em um coliving
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JF DIORIO / ESTADÃO Papo. Marcel (de verde) divide casa com outros adultos

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