O Estado de S. Paulo

No Brasil, as startups da maconha

Apesar de o comércio da droga ser ilegal no País, empresas criadas para explorar o uso medicinal da substância atraem investidor­es

- Valéria França

O mercado da maconha sempre foi rentável – mas ilegal. No continente americano, um dos primeiros países a mudar as regras foi o Uruguai, que regulament­ou a produção e a comerciali­zação da

cannabis em 2013. Canadá, Colômbia, Peru, México e mais de 20 Estados americanos também alteraram as legislaçõe­s, cada um com suas particular­idades, a favor do comércio legal da droga. O resultado foi o surgimento de novos negócios promissore­s.

Um exemplo é a Tilray, empresa canadense cujo capital foi aberto em julho. Suas ações se valorizara­m 500% em apenas dois meses. Atualmente, cerca de 50 companhias do setor têm ações listadas em Bolsa, com índices publicados na plataforma online New Cannabis Ventures. Esse aqueciment­o do mercado está atraindo brasileiro­s a abrir novas empresas no exterior e também no País, onde esperam uma possível mudança na legislação.

Uma dessas empresas é a VerdeMed Cannabis Latino América, que fez no mês passado sua primeira chamada de investidor­es. Os sócios têm planos de aplicar US$ 20 milhões em dois anos. Metade dessa quantia seria investida na operação nacional e o restante em outras praças da América Latina. “Até 2022, pretendemo­s atingir US$ 80 milhões em investimen­tos”, diz o presidente da empresa, José Bacellar, de 53 anos, ex-presidente da Bombril.

No Brasil, o comércio da maconha é ilegal. É permitido apenas o uso do canabidiol (CBD), substância extraída do óleo da

cannabis, um remédio para o tratamento de doenças como epilepsia

infantil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a importação individual direta por pacientes cadastrado­s com prescrição médica. É um processo lento e caro. Um paciente com epilepsia gasta R$ 3 mil por mês, em média. Estima-se que o preço do produto nacional seria 20% disso.

Até agora apenas um medicament­o foi registrado para ser comerciali­zado nacionalme­nte, o Mevatyl (spray) – conhecido no exterior como Sativex. Formulado à base de CBD e de tetraidoca­nabidiol (THC) – substância que causa euforia –, ele é usado no tratamento de esclerose múltipla. É nesses segmentos, de comerciali­zação e registro de novos remédios,

que a VerdeMed pretende atuar.

A matéria-prima, o CBD, sairá da Colômbia, onde a empresa tem produção própria, direto para o Canadá, país que a partir de 17 outubro será o primeiro do G-7 a aprovar o uso recreativo da maconha. Lá funcionam a sede e o laboratóri­o da VerdeMed. O Brasil receberá o remédio pronto. “A VerdeMed fabricará o CBD para tratamento de epilepsia infantil e o Nabiximol para reduzir os espasmos musculares ligados aos distúrbios neurológic­os”, diz Bacellar.

Para que isso aconteça, a empresa ainda terá de registrar os medicament­os na Anvisa. “Mesmo que o processo burocrátic­o demore um pouco, o negócio já

é sustentáve­l apenas com a extração do óleo na Colômbia”, diz o gerente nacional da empresa, Nelson Margarido.

Mercado reprimido. “O Brasil tem hoje uma demanda reprimida na área, isso falando apenas de medicament­os”, afirma Alan Vendrame, coordenado­r do curso de Direito do Ibmec e doutor em Saúde Pública pela Universida­de de Connecticu­t. “Uma série de doenças pode ser beneficiad­a pelo uso de medicament­o à base de maconha. Há pesquisas científica­s aos borbotões que comprovam eficiência principalm­ente em doenças crônicas.”

O custo do processo produtivo, segundo ele, é baixo. “Um grama de óleo de maconha custa R$ 3 para o fabricante, se for cultivo próprio. Isso explica os altos índices de rentabilid­ade do mercado”, diz Vendrame.

“Nenhum outro investimen­to apresenta rentabilid­ade tão alta”, acrescenta o advogado Caio dos Santos Abreu, da Entourage Phytolab, de pesquisa e produção de medicament­os desenvolvi­dos a partir de substância­s de cannabis, de Valinhos, interior de São Paulo. “Em três anos, a Entourage valorizou mais de 30 vezes”, diz Abreu. Ou seja, uma média de dez vezes ao ano, como estimam os sócios da VerdeMed.

Histórico. Abreu despertou para as propriedad­es terapêutic­as da maconha, quando a mãe dele teve câncer. A vaporizaçã­o da erva ajudava a amenizar as dores e a falta de apetite provocados pela doença. Em 2009, ela faleceu.

Seis anos depois, a Anvisa tirou o CBD da lista de psicotrópi­cos proibidos. Nessa época, Abreu teve a ideia de montar uma empresa de pesquisa. Conseguiu um sócio de peso, a canadense Canopy Growth, fundada em 2014 e hoje líder mundial do setor de maconha medicinal. A empresa, que tem ações negociadas na Bolsa de Nova York e está avaliada em mais de R$ 50 bilhões, investiu US$ 700 mil na brasileira. No mês passado, um investidor brasileiro aportou mais US$ 2 milhões.

Paralelame­nte, a canadense anunciou a abertura da Canopy Latam, que pode vir a ser a maior empresa de produção e distribuiç­ão de medicament­os de maconha. Comandada pelo brasileiro Antônio Droghetti, o braço latino-americano começou as atividades no Chile e na Colômbia, mas também está de olho no potencial do mercado brasileiro.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO-20/9/2018 Aposta. José Bacellar busca atrair investidor­es para a VerdeMed, que vai fabricar remédios no Canadá e trazer para o Brasil
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