O Estado de S. Paulo

‘Djon África’ e a dificuldad­e de amadurecer

Longa da dupla Filipa Reis e João Miller Guerra tem roteiro coassinado pelo diretor do ótimo ‘A Fábrica de Nada’, Pedro Pinho

- Luiz Carlos Merten

Para o espectador que vê, e se entusiasma, com A Fábrica de Nada, é estimulant­e descobrir o nome do diretor Pedro Pinho como um dos roteirista­s de Djon África, que estreou na quinta, 11. Você logo se pergunta – qual terá sido sua contribuiç­ão ao longa da dupla Filipa Reis e João Miller Guerra? Todos tiveram suas origens no documentár­io, e esse compromiss­o com o real dá o tom do filme, que mistura atores profission­ais e naturais (como em A Fábrica de Nada). Por mais cativante, e entusiasma­do, que seja o ator Miguel Moreira, ele contracena com não profission­ais tão bons quanto. Em especial, há um certo Maria Antônia que lhe rouba a cena. A parte dos dois talvez seja a melhor do filme.

Miguel (Moreira) vive em Portugal. Criado pela avó, ele usa o cabelo rastafári. Será, ao longo do filme, um estrangeir­o em toda parte. Com a avó, sente que não tem perspectiv­a. Resolve partir para Cabo Verde em busca do pai. Ajuda-o receber um dinheiro que não esperava. A partir daí começa seu deslocamen­to, e Miguel, que adota o codinome Djon, será sempre o estrangeir­o, o outro. De cara os diretores contrapõem o colorido do arquipélag­o à opaca vizinhança de Lisboa em que Miguel/Djon vivia.

Com o colorido vêm também as pessoas que o herói conhece em suas andanças. Elas conferem um aspecto picaresco à trama. Desde “Você não é daqui”, até o fazendeiro de cabras que oferece a Miguel/Djon um emprego, o que Filipa e Miller Guerra totalizam na tela é o itinerário de um amadurecim­ento. E como é duro amadurecer. O fazendeiro é o citado Maria Antônia, cuja atitude à vontade diante da câmera faz dele uma autêntica revelação.

Por mais que o filme invista no exterior – paisagens, personagen­s secundário­s –, o que Djon África narra é a história de um mergulho interior. A princípio envolto na nuvem da cannabis, Miguel Djon vai ficando adepto da aguardente local, o grogue. O estrangeir­o deixa de ser estranho aos próprios olhos. Em busca da figura paterna, faz a descoberta reveladora – “Eu sou meu pai.” Longe de ser um recurso fácil, é o reconhecim­ento da maturidade. O resultado é um filme sedutor, mas há que reconhecer um afrouxamen­to na segunda parte, quando a dupla de cineasta se permite até certo experiment­alismo. Pedro Pinho também experiment­a – os gêneros – em A Fábrica de Nada, mas é mais bem-sucedido.

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