O Estado de S. Paulo

LADO A LADO COM OS MESTRES

- Tobias Gray / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Mostra no Museu d’Orsay expõe 13 obras do pintor e cineasta Julian Schnabel com as telas de suas influência­s, como Cézanne e Van Gogh

Um jogo tenso começou para o pintor Julian Schnabel quando o Museu d’Orsay, de Paris, o convidou para escolher pinturas do século 19 da coleção da instituiçã­o para serem exibidas ao lado de suas próprias obras.

“Mas, em dado momento, a direção do museu me disse que eu não poderia escolher tais e tais pinturas. Respondi que não seria possível”, contou Schnabel numa entrevista recente. “Se eu não pudesse escolher os quadros, não iria dizer que a escolha tinha sido minha.”

O pintor e cineasta americano de 66 anos tinha particular interesse em certas obras de quatro pintores – Vincent van Gogh, Claude Monet, Henri de Toulouse-Lautrec e Paul Cézanne – que o museu não queria tirar de seu lugar habitual para colocar nessa exposição.

Schnabel agradece a Laurence des Cars, que foi designado como diretor do museu no ano passado, por “mover céus e terra” para que ele obtivesse o que queria do acervo. Ou quase tudo que queria: houve apenas uma obra de Paul Cézanne que não pôde ser deslocada (ou não quiseram mexer nela).

A exposição Orsay Through the Eyes of Julian Schnabel (Orsay pelo Olhar de Julian Schnabel, em tradução livre) foi aberta nesta semana e vai até 13 de janeiro de 2019.

Treze obras da coleção do museu são contrapost­as a 11 trabalhos de Schnabel, produzidos nos últimos 40 anos. Entre as telas do artista contemporâ­neo reunidas nessa exposição estão vários de seus pratos pintados que, após serem quebrados, têm seus fragmentos colados como uma espécie de mosaico sobre superfície­s como lona encerada e veludo negro.

“Superfície­s são uma obsessão minha” disse Schnabel. “Os fragmentos de pratos nelas colados ganham uma terceira dimensão, física e espacial. Gosto de desafios físicos, como colar objetos em uma superfície.”

A mais antiga obra de Schnabel exibida na mostra é a grande tela Blue Nude with Sword (Nu em Azul com uma Espada), que foi pintada em 1979 e é o seu primeiro trabalho figurativo em contraposi­ção ao caráter abstrato da pintura e colagem de pratos.

Ela aparece ao lado de um quadro muito menor de Cézanne, La Femme Étranglée (A Mulher Estrangula­da, trabalho produzido entre 1875 e 1876), mas que tem uma paleta de cores (vermelho, branco e azul) semelhante.

A montagem da mostra, que investiga as relações entre estilo, conteúdo e escala de trabalhos

diferentes entre si, foi supervisio­nada pelo próprio Schnabel e por sua parceira Louise Kukelberg, que é designer de interiores.

Schnabel, conhecido pelo gigantismo de suas peças, selecionou duas das pinturas de maior dimensão de Toulouse-Lautrec – ambas mostrando cenas da vida noturna parisiense em que aparece a dançarina do Moulin Rouge conhecida por La Golue.

As duas telas estão proposital­mente “coladas” uma à outra. “Se você olhar de perto, verá que o que pode parecer um erro é parte das intenções do artista e de sua atitude para com os materiais”, acredita o pintor.

A obra mais recente da exposição é uma delicada pintura de rosas e folhagens feita com fragmentos de pratos quebrados, que Schnabel produziu no ano passado ao se inspirar em uma visita ao túmulo de Van Gogh, em Auvers-sur-Oise, perto de Paris.

O mestre holandês, cujo sublime Retrato do Artista (1889) faz parte da mostra, tem estado ultimament­e na cabeça de Schnabel. Em setembro, estreou no Festival de Cinema de Cannes o último filme do pintor/cineasta, At Eternity’s Gate (No Portal da Eternidade), que fala sobre os tumultuado­s meses finais da vida de Van Gogh.

O filme é estrelado por Willem Dafoe, que ganhou o prêmio de melhor ator em Veneza com o papel de Van Gogh. At Eternity Gate começou a ser planejado em 2014, quando Schnabel e o roteirista francês Jean-Claude Carrière visitaram uma exposição no Museu de Orsay que combinava quadros de Van Gogh e desenhos do poeta de avant-garde Antonin Artaud.

Schnabel, que escreveu o roteiro de At Eternity Gate com Carrière e Kugelberg, disse que a exposição “foi um acúmulo de sensações”. Já seu filme é “uma galeria de emoções, uma galeria de cenas que poderiam ter acontecido e se tornam um meio de se falar de pintura e vida”.

Para Schnabel, Van Gogh é “o pintor mais moderno” graças à “liberdade e clareza que o caracteriz­aram”. Como Van Gogh, Schnabel pinta rapidament­e, terminando uma obra em questão de horas, não de dias. Ele também trabalha ao ar livre, dizendo que prefere enfrentar os elementos ao interior sombrio de um ateliê.

Segundo ele, a tendência a pintar “en pleinair” vem de quando fez sua primeira plate painting, no tempo em que ainda era cozinheiro em Nova York, no fim dos anos 1970.

“Quando levei a pintura para a rua, achei-a terrível”, relembrou o artista. “Desde então, prefiro pintar ao ar livre porque é onde você realmente enxerga tudo.”

Dafoe, que conhece Schnabel há 30 anos, disse numa entrevista por telefone que At Eternity’s Gate “foi filtrado de certos eventos ocorridos com Vincent e de algumas coisas que ele falou – mas claro, o filme também diz muito sobre o próprio Julian”.

O ator, que recebeu lições de pintura de Schnabel durante a preparação para o papel, revelou que se sentiu frequentem­ente como ele se fosse o próprio Schnabel.

“É como se ele, não podendo atuar por estar atrás da câmera, precisasse de alguém para ser sua criatura em frente dela”, disse Dafoe, acrescenta­ndo que “a oportunida­de de estar em um filme tão pessoal foi uma dádiva.”

Schnabel disse que tem sensações semelhante­s em relação à exposição do Museu d’Orsay. “É um grande privilégio”, avaliou o artista, comparando a mostra a “uma carta escrita de um pintor para outro por meio dos quadros.”

 ?? JULIEN MIGNOT/THE NEW YORK TIMES ?? Inspiração. Julian Schnabel observa o autorretra­to de Vincent van Gogh no Museu d’Orsay, em Paris; o artista diz que a exposição é como ‘uma carta escrita de um pintor para o outro’
JULIEN MIGNOT/THE NEW YORK TIMES Inspiração. Julian Schnabel observa o autorretra­to de Vincent van Gogh no Museu d’Orsay, em Paris; o artista diz que a exposição é como ‘uma carta escrita de um pintor para o outro’
 ?? TOM POWEL/JULIAN SCHNABEL STUDIO ?? Pratos. ‘Rose Painting (Near Van Gogh’s Grave) XVII’, de Schnabel
TOM POWEL/JULIAN SCHNABEL STUDIO Pratos. ‘Rose Painting (Near Van Gogh’s Grave) XVII’, de Schnabel

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