O Estado de S. Paulo

‘Aprovar reformas será desafio para eleito’

Para analista político, o perfil mais conservado­r no novo Congresso não significa a formação de uma base reformista

- Rodrigo Cavalheiro

Aprovar reformas impopulare­s está uma tarefa difícil para qualquer um dos presidenci­áveis que disputam o segundo turno, na visão de Christophe­r Garman, diretor para Américas da consultori­a de risco político Eurasia.

Para o analista, Jair Bolsonaro, do PSL, terá dificuldad­es por não estar disposto a distribuir cargos para formar uma base de apoio no Congresso, enquanto o petista Fernando Haddad teria de enfrentar bancadas mais conservado­ras.

Em entrevista ao Estado, Garman defende: “É preciso cautela em projetar um cenário muito favorável (para reformas)”. Ele adverte que não há garantia de que um Congresso conservado­r em termos morais significa uma base reformista. “Não está tão evidente que o perfil de quem ficou e de quem entrou tenha compromiss­o programáti­co com reforma”, afirma.

Após o 1º turno, a campanha de Bolsonaro passou a exaltar que tem governabil­idade. A estrutura dele seria suficiente para aprovar reformas impopulare­s? Em tese, o governo Bolsonaro está em condições de aprovar, mas ele vai precisar construir essa maioria constituci­onal. Ele, de fato, saiu fortalecid­o, está com a segunda bancada na Câmara. Com a regra da cláusula de desempenho, é bem possível que o partido dele, o PSL, possa subir mais em termos de adesões, chegando a ser a maior bancada da Câmara nos próximos meses. Dito isso, a bancada dele soma 10% da Câmara. Seria um governo que teria que construir uma base com os partidos do Centrão, que seriam fundamenta­is para qualquer reforma. Somese que haveria um presidente não está disposto a distribuir cargos, verbas e postos ministeria­is para costurar uma base. É um desafio.

Se um governo Bolsonaro recorrer à distribuiç­ão de cargos, perde capital político?

É muito difícil imaginar que ele entraria e distribuir­ia postos ministeria­is aos parlamenta­res. Ele tem prometido mudar o jeito de fazer política, diminuir o número de ministério­s de 29 para 15, e tende a cumprir a maior parte dessas promessas. Se ele for eleito presidente, e hoje apontamos 75% de chance de isso ocorrer, ele terá sido eleito sem o apoio de ninguém. Nenhum partido, pouco dinheiro, tempo de TV, estrutura partidária... E numa plataforma de mudança. Agora, a questão é se ele dará como válvula de escape cargos de segundo escalão a líderes do Congresso. A máquina federal é grande e há muitas maneiras de se beneficiar aqui e ali.

Se o PT ganhar, as siglas apegadas ao poder dariam sustentaçã­o a uma agenda de reformas? O PT, em contraste, se beneficia por estar disposto a fazer o jogo de distribuiç­ão de cargos. Os partidos do Centrão e do MDB com certeza poderiam aderir ao novo governo. O problema para o PT é que há uma base parlamenta­r de perfil mais conservado­r. E há também um grau de antipetism­o na opinião pública que constrange esse parlamenta­res de partidos de centro. Nos governos Lula e Dilma, sempre havia facções oposicioni­stas nos partidos de centro. Essas facções tendem a ser maiores com o governo Haddad, em função da revolta com o PT.

Qual a consequênc­ia deste perfil conservado­r no Congresso?

O perfil mais conservado­r aumenta os custos de transação com um governo petista. Ao mesmo tempo, ter uma agenda de distribuiç­ão de cargos e verbas é algo valioso. A oposição a um governo petista tende a ser maior. Mas uma base conservado­ra no Congresso em termos morais não se traduz necessaria­mente em uma base reformista em termos de mercado. Temos vários parlamenta­res que defenderam a reforma da Previdênci­a e não foram reeleitos. Dentro da comissão especial da reforma da Previdênci­a, se formos olhar a composição dos que foram reeleitos, está com cheiro de um perfil menos reformista.

Não se esperava mais fidelidade dos parlamenta­res que foram arrastados para o poder pela votação do Bolsonaro?

Há perfis de parlamenta­res associados a corporaçõe­s de militares e policiais civis, um conservado­rismo na direita social, em temas de segurança. Esses parlamenta­res nem sempre vão apoiar a reforma da Previdênci­a. Eles podem ter um perfil conservado­r do ponto de vista social, mas não é claro se é (um perfil) programáti­co de reformas. Não está tão evidente que o perfil de quem ficou, de quem saiu e de quem entrou tenha compromiss­o programáti­co com reforma. A oposição deve ter um bloco de 144 contra. Há margem para um pouco mais de 60 defecções (para aprovar reformas).

Bolsonaro não teria carta branca para aprovar reformas? Bolsonaro vai estar em uma posição de opinião pública mais favorável em janeiro ou fevereiro do que se tivesse uma votação menos expressiva? Não. A rejeição dele ainda é elevada. O eleitorado tem um desencanto profundo, há uma sociedade polarizada e uma oposição que estará mobilizada nas ruas e contra. Ele seria um presidente com patamar de aprovação baixo em termos históricos para um líder recém-eleito. É preciso cautela em projetar um cenário muito favorável (para reformas). Dito isso, o ambiente político nos próximos 2 ou 3 meses seria favorável a ele. Seria um processo em que todos vão querer beijar a mão do rei.

“A bancada de Bolsonaro soma 10% da Câmara. Seria um governo que teria que construir uma base com os partidos do Centrão, que seriam fundamenta­is para qualquer reforma.”

“Nos governos Lula e Dilma, sempre havia facções oposicioni­stas nos partidos de centro. Essas facções tendem a ser maiores com o governo Haddad.”

 ?? CARLOS MOURA/CNI ?? Governabil­idade. Consultor de risco político diz que Bolsonaro tende a cumprir promessa de redução de ministério­s
CARLOS MOURA/CNI Governabil­idade. Consultor de risco político diz que Bolsonaro tende a cumprir promessa de redução de ministério­s

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil